Por Isabelle Reis*
Em meio à pandemia causada pela Covid-19, vemos que o Poder Executivo tem se preocupado em proteger a população. Contudo, sabemos que os efeitos do Coronavírus na sociedade não se remete apenas ao isolamento social, os cuidados para se proteger da doença e etc. É NECESSÁRIO conversar sobre as relações jurídicas contratuais em tempos de pandemia.
Em virtude do cenário pan epidêmico que estamos vivendo, a taxa de desemprego no país aumentou consideravelmente e ainda existem as pessoas impedidas de trabalhar em virtude do isolamento social. Infelizmente, mesmo diante da situação mundial, as obrigações do cidadão/ da cidadã, permanecem. A preocupação com aquele contrato de aluguel é latente para os que não possuem casa própria; as prestações do carro, as mensalidades das escolas (tema muito importante que o Ministério Público do Estado já se manifestou sobre o assunto), o plano de saúde e tantas outras responsabilidades que foram adquiridas antes da pandemia por meio das relações contratuais.
O Código Civil (Lei nº 10.406/2002) nos protege ao tratar sobre o inadimplemento das obrigações na situação de caso fortuito ou de força maior, conforme o Art. 393, parágrafo único do código [1], que exclui a responsabilidade do devedor no prejuízo causado em uma situação fora do seu controle. É o caso do Coronavírus.
Assim, podemos falar sobre a “Teoria da Imprevisão dos Contratos”, prevista no Art. 478 e seguintes do Código Civil [2]. Ora, usando uma linguagem mais simples, essa teoria se explica da seguinte forma: João firmou um contrato de compra e venda de um carro de forma válida, suas cláusulas são equivalentes, não existe lesão naquele contrato e durante a sua execução, ou seja, durante o pagamento das prestações daquele carro, o contrato sofre um acontecimento superveniente que desiquilibra a sua base. Nesses casos é necessário que essa relação contratual seja revisada ou que até exista uma resolução do contrato, nos casos de onerosidade excessiva.
É o caso dos contratos firmados com as escolas privadas, que sofreram um fato superveniente em virtude do Covid-19 que desiquilibrou a sua base contratual, afinal, seu funcionamento está suspenso e as aulas estão sendo realizadas virtualmente. O Ministério Público do Estado de Pernambuco emitiu a Nota Técnica nº 02/2020 que orienta as instituições ensino a realizar uma proposta de revisão do contratual.
Além disso, o Código de Defesa do consumidor (Lei nº 8.078/90) expõe no Art. 6º, V, que é direito do consumidor “a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;”.
Os tribunais tem se manifestado no incentivo a revisão contratual. Foi o que aconteceu no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDF), que o magistrado da 24º Vara Cível de Brasília decidiu no Processo nº 0713297-63.2020.8.07.0001 pela revisão do contrato de aluguel do restaurante Villa Tevere, situado a Asa Sul da Capital Federal [3].
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo também se manifestou sobre o assunto ao conceder o pedido de urgência através do Agravo de Instrumento nº 2061905-74.2020.8.26.0000, que expõe a situação de revisão de um “Contrato de Cessão de Quotas” de uma empresa de comercialização de açaí, na cidade de Assis/SP, que devido ao isolamento está com o seu funcionamento suspenso o que dificulta o pagamento das prestações que foram firmadas no contrato [4].
Com o objetivo de regulamentar a situação em tempos de pandemia, o Senado Federal aprovou o projeto de lei nº 1.179/2020, que “Institui normas de caráter transitório e emergencial para a regulação de relações jurídicas de direito privado em virtude da pandemia da Covid-19; e altera a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018”. O projeto seguiu para a Câmara dos Deputados e agora está no aguardo da apreciação do Senado Federal [5] .
Portanto, para se proteger, o consumidor deve estar atento aos seus direitos e em conjunto com o Contratado/Credor encontrar uma forma de exercer suas obrigações sem ser prejudicado. Caso contrário, sem acordo prévio sobre o inadimplemento ou a onerosidade excessiva do contrato, a situação pode ser levada ao Poder Judiciário.
*Advogada, pós-graduanda em Direito Civil e Processo Civil.
NOTAS:
[1] Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.
(Lei 10.406/2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm)
[2] Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato.
Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.
(Lei 10.406/2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm)
[3] Juiz de Brasília reduz pela metade aluguel pago por restaurante italiano. Disponível em: https://www.jota.info/justica/juiz-de-brasilia-reduz-pela-metade-aluguel-pago-por-restaurante-italiano-11052020
[4] O Tribunal de Justiça de São Paulo decide pela reforma de decisão que negou liminar diante da situação emergencial do covid-19 em relação comercial – Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/326292/o-tribunal-de-justica-de-sao-paulo-decide-pela-reforma-de-decisao-que-negou-liminar-diante-da-situacao-emergencial-do-covid-19-em-relacao-comercial.
[5] PL 1179/2020. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2247564