Schistosoma: saneamento é saída

No centenário de aniversário do sanitarista pernambucano Frederico Simões Barbosa, pioneiro no País em descobertas sobre a dinâmica da esquistossomose, desvendando vetores, mecanismo de transmissão, epidemiologia e controle da doença, o Instituto Oswaldo Cruz (IOC) anunciou, ontem, a fase II dos estudos clínicos da vacina brasileira contra a esquistossomose, a Sm 14. Mais importante que a vacina é investir em saneamento básico, já que a doença ganha força em locais sem acesso a água potável e esgotamento sanitário.“A vacina pode demorar ainda alguns anos. A estratégia mais duradoura e abrangente para o controle é o tratamento dos ambientes insalubres e contaminados in­­vestindo-se em saneamen­­­to básico. Isso traria impacto não só na transmissão da esquistossomose, mas também em outras doenças de veiculação hídrica, como cólera, lepstospirose, hepatites, diar­­reias”, afirmou a coordenadora do Laboratório e Serviço de Referência em Esquistossomose da Fiocruz Pernambuco, Constança Simões Barbosa, filha do sanitarista Frederico Simões.O coordenador do programa Sanar em Pernambuco, Alexandre Menezes, também aponta desafios do imunizante. “O problema de vacina para parasitas, a exemplo do Schistosoma, é realmente a capacidade de imunizar. É o tempo que ela dura. O grande desafio da vacina será garantir proteger as pessoas e ter durabilidade”, avaliou. Ele também acredita que a vacina não dispensa as necessidades de saneamento.

A esquistossomose é uma das doenças parasitárias mais devastadoras socioeconomicamente, atrás apenas da malária. Segundo a Organiza­­ção Mundial da Saúde (OMS), há mais de 200 milhões de pes­­soas infectadas no Mun­­­do. Maioria em países pobres, onde não há saneamento básico. Áreas endêmicas estão espalhadas em 70 países, onde 800 milhões de pessoas vivem o risco da infecção. No Brasil, 19 estados apresentam casos, especialmente os da região Nordeste, além de Minas Gerais e Espírito Santo.

Neste triste cenário, Pernambuco é destaque. Ocupa o primeiro lugar, tanto em novos casos como em número de óbitos. Foram quase três mil mortes entre 1999 e 2015, além de incontáveis vítimas que ficaram incapacitadas. Mais de 43,5 mil doentes nos últimos seis anos. São 58 localidades consideradas hiperendêmicas, onde mais de 10% da população local está adoecida, com concentração na Mata Norte e Sul.

Desafio
Desafio da saúde pública por décadas a fio, a esquistossomose se apoia nas precárias condições de saneamento – até hoje só cerca de 30% do território é saneado. Foi nessas regiões onde falta esgoto e água, mais precisamente em Aliança, na Mata Norte pernambucana, que a idosa Luzia Tavares, 60, adquiriu a doença com a qual convive há 15 anos. “Me sentia empachada o tempo todo. Tudo que comia fazia mal.

Foi quando o médico descobriu a doença. Morava num sítio e nunca tive água encanada por lá. A gente resolvia tudo no rio, riacho, cacimba”, contou. Hoje convive com o baço inchado, varizes no esôfago, além da pressão alta e diabetes.

Os testes
A vacina será testada em 350 voluntários adultos do Senegal, na África. A área foi escolhida por ser hiperendêmica e atingida simultaneamente por duas espécies do parasita Schistosoma, causador da doença. Nessa etapa, a segurança do produto será avaliada, bem como a sua capacidade de induzir imunidade nas pessoas vacinadas. Serão incluídas crianças.

Os testes foram aprovados pelo comitê de ética. A previsão é que, se tudo sair a contento, a vacina seja produzida em larga escala daqui a três anos. O custo atual das doses é estimado em US$ 1. É preciso três doses, com intervalo de um mês.

O imunizante é um dos projetos de pesquisa e desenvolvimento em saúde priorizado pela OMS. Foi desenvolvido e patenteado pelo IOC. A Fase I teve os resultados animadores divulgados em janeiro deste ano, quando se verificou que a vacina Sm14 levava à ativação de anticorpos e da citocina Interferon-gama, que é produzida pelo organismo em resposta ao agente infeccioso.

Contudo, nesta primeira etapa, os testes foram realizados em áreas não endêmicas, com voluntários saudáveis. “Esta é a primeira vez no mundo que uma vacina parasitária produzida com tecnologia brasileira de última geração chega à Fase II de estudos clínicos. Estamos contribuindo para o enfrentamento de um problema de saúde pública que afeta populações pobres no Mundo”, destaca a pesquisadora do Laboratório de Esquistossomose Experimental do IOC, Miriam Tendler.

Folha de Pernambuco

Foto: Alfeu Tavares

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *