Um ponto fora da curva. É assim que a história de Jaqueline dos Santos, 36 anos, mais conhecida como Jack, pode ser vista diante de um dado assustador: a expectativa de vida de um transgêneroé de 35 anos, segundo dados da União Nacional LGBT, enquanto a média nacional é de 75,5 anos, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) divulgou no dossiê do ano passado, que foram contabilizados no Brasil 163 assassinatos de travestis e transexuais.
Mesmo tendo que lidar com uma série de dificuldades pelo fato de ser uma mulher trans, Jack Santos persistiu pelo o caminho contrário diante desse cenário de violência e preconceito. “Não tenho medo de nada, eu enfrento tudo”, crava a primeira farmacêutica trans de Pernambuco – confirmada pelo Conselho Regional de Farmácia do Estado. “Sei que outras pessoas não têm a mesma sorte que eu tive, mas espero que minha história possa inspirar outras trans a não desistirem de seus sonhos”, afirma.
Desde pequena, ela sentia algo diferente e sua identidade de gênero não era aquela registrada em sua certidão de nascimento. “Sempre me vi como mulher. Aos 18 anos, decidi fazer o magistério e iniciei o meu processo de transição. Meus pais não aceitaram e cheguei a ser expulsa de casa. Estudava durante o dia e a noite dormia no metrô de Jaboatão, até que uma tia me acolheu”, relembra.
Apesar da incessante busca pelo conhecimento e uma pós-graduação em psicopedagogia, a área de Educação se mostrou fechada para ela. “Cheguei a trabalhar por contrato, mas à medida que me aparência ficava mais feminina, esses contratos não eram renovados. Alguns pais chegaram a ameaçar tirarem seus filhos da escola”, conta.
Foi na área de saúde que ela viu as portas se abrirem e também seu coração. Começou como técnica de mobilização ortopédica no Hospital da Restauração, depois fez o técnico em enfermagem e atuou no Hospital Barão de Lucena. Por fim, decidiu fazer o curso superior em Farmácia, na Universidade Estácio, se formando no ano passado. “Sou muito dedicada em tudo que eu faço e as pessoas notam isso e se aproximam. Nunca sofri preconceito na faculdade, até tenho amigos de outros cursos”, declara Jack. Casada, ela é mãe de três filhos, dois meninos de 8 e 7 anos e uma menina de cinco anos. “Nós temos que ensinar de criança o respeito pelo próximo. Meus filhos me enxergam como mulher e não aceitam qualquer tipo de preconceito.”
O único problema que a farmacêutica enfrentou na faculdade foi obter seu diploma com o nome social. Apesar do decreto nº 8.727/2016 assinado em abril pela Presidência, que regulamenta o uso do nome social em instituições públicas federais, muitas universidades ainda não têm regras próprias. “Eles justificaram que Jack seria abreviação de nome. Então mudei para Jaqueline e consegui dar entrada no meu diploma”, explica.
Educação
Apenas 10% dos transexuais no Brasil têm emprego formal, segundo a Antra. A exclusão dessas pessoas no mercado de trabalho se dá, principalmente, pelo preconceito e a falta de formação já que os índices de evasão escolar chega a 82%, segundo levantamento feito pela OAB. “Nós precisamos mudar os paradigmas da Educação, para que ela passe a ser inclusiva. As crianças e adolescentes trans não são acolhidas na escola. Os profissionais da comunidade escolar não são capacitados para garantir a permanência delas na escola e nem há políticas públicas que também assegurem isso”, critica a coordenadora de programas especiais da ONG Gestos, Juliana César.
Informações da Folha PE
Foto: Leo Malafaia