Guerra aos canudos: projeto de lei quer proibir uso em Pernambuco

Considerado sagrado em inúmeras culturas, o oceano é o destino final para 8 milhões de toneladas de plástico lançadas a cada ano. Esse descarte, que fez surgir as chamadas “ilhas de lixo”, causa mortes e mutilações de animais. Depois que um vídeo mostrando o sofrimento de uma tartaruga marinha resgatada com um canudo preso na narina viralizou, campanhas e petições online pelo banimento do produto surgiram em diversas cidades e países do mundo.

Em Pernambuco, tramita na Assembleia Legislativa (Alepe) o Projeto de Lei nº 1928/2018, que pretende vedar, a partir de 2022, a fabricação, comercialização e distribuição gratuita de canudos flexíveis plásticos usados para ingerir líquidos. A proposição foi protocolada pelo deputado Everaldo Cabral (PP). Iniciativas semelhantes, com apoio massivo da população, já foram aprovadas nas cidades do Rio de Janeiro e de Seattle (EUA), assim como no Estado do Rio Grande no Norte.

Na justificativa, o parlamentar pernambucano defende a extinção dos canudos plásticos. “A iniciativa visa evitar toda sorte de poluição e degradação ambiental, em especial no habitat marinho e fluvial, mutilando os animais, que são as maiores vítimas, sem esquecer, ainda, dos riscos para crianças”. A proibição não se aplica aos canudos de papel ou outro material biodegradável. Os de plástico que estejam no mercado ou nos estoques fabris poderão ser comercializados ou distribuídos até o último dia do ano anterior à data de proibição prevista no texto.

Enquete

No site da Alepe, foi realizada uma pesquisa com os internautas que identificou que a maioria deles apoia o PL 1928: dos 215 votantes, 140 (65%) avaliam que a proibição protege o meio ambiente. Outros 30% acreditam que prejudica setores econômicos e 5% preferiram não opinar.

O professor do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (Iousp) Alexander Turra considera que a proposta de banimento dos canudinhos é interessante porque “permite uma estratégia de comunicação fácil”. “Gera uma reflexão sobre itens que não são realmente necessários para as pessoas”, pontua.

No entanto, segundo ele, uma norma desse tipo “pode passar a impressão de que apenas banindo o canudo se resolve o problema do lixo no mar”. Para o ecologista, isoladamente, o impedimento não ataca a questão central do problema: os fluxos que levam os resíduos para o mar. E, mais do que simplesmente proibir, é necessário educar a população para que faça escolhas autônomas.

Resíduos

Em fevereiro de 2017, quando o Programa das Nações Unidas para Meio Ambiente (ONU Meio Ambiente) lançou no Brasil a campanha #MaresLimpos, cerca de 1,2 mil voluntários participaram da limpeza de praias em todo o País. Do material coletado no Brasil, os filtros de cigarro apareceram em primeiro (cerca de 50 mil unidades), seguidos pelas tampas de garrafas pet e canudos (9,9 mil cada), garrafas plásticas (7 mil) e sacolas de supermercado (6,8 mil). A ação somou-se aos esforços realizados em mais de 50 outras nações.

Coordenadora da campanha, Fernanda Daltro avalia que o canudinho é emblemático por ser o tipo de item que, além de evitável, dificilmente chega a ser reciclado. Ela frisa, porém, que, independentemente do tipo de produto, a tendência é a mesma. Uma vez no mar, com exposição ao sol e intempéries, eles se degradam em fragmentos menores que passam a se acumular na cadeia alimentar, atingindo toda a fauna marinha e quem se alimenta dela, incluindo o ser humano.

“A gente não pode esperar que qualquer coisa seja colocada no supermercado, o consumidor faça a escolha e o gestor público recicle. Alguns itens precisam ser revistos pela sociedade. Regulamentar via legislação tem um aspecto importante: se o mercado não é capaz ou interessado em banir os produtos que causam dano ambiental, é papel do Estado intervir”, diz.

Poluição

Desde 1980, o Projeto Tamar atua em defesa da conservação marinha e, em especial, das cinco espécies de tartarugas que ocorrem no Brasil. Coordenador técnico do projeto em São Paulo, Henrique Becker relata que restos de plástico têm sido achados com frequência no trato digestivo de animais encontrados mortos em todo o País. Os mais afetados pelo lixo no mar são indivíduos juvenis de tartarugas verdes (Chelonia mydas).

O biólogo considera as leis de proibição importantes, mas pontua: “Não é comum encontrar canudinhos nas tartarugas, mas, principalmente, sacolinhas e embalagens de plástico flexíveis, além de fragmentos de plástico rígido de diversas origens (eletrodomésticos, brinquedos, tampas, lacres, embalagens e outros). A redução do consumo desnecessário de plástico, o uso consciente e a destinação correta são necessidades básicas não só para conservação das espécies marinhas como também para todo o meio ambiente”.

O gerente-geral de Desenvolvimento Sustentável da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) de Pernambuco, Paulo Teixeira, vê com bons olhos a iniciativa do projeto de lei estadual. Ele também informou que a gestão realiza atividades de educação ambiental em parceria com a Comissão de Meio Ambiente da Alepe. “O consumidor eficiente se torna um fiscal de quem faz errado e pode até chamar a atenção do Poder Público. Se as pessoas não absorvem as leis, elas ficam nas prateleiras”, emenda.

Na mesma linha, Fernanda Daltro enfatiza que as leis proibindo canudinhos devem ser apenas o ponto de partida para uma discussão mais embasada e sistêmica. E a avaliação é a mesma do ecologista Alexander Turra, que participa da elaboração do Plano Nacional de Combate ao Lixo no Mar. “A principal origem do problema são as ocupações irregulares em margens de rio e manguezais e o lixo difuso jogado nas ruas e no ambiente. Isso tem uma forte relação com a má distribuição de renda. Dá uma medida da insustentabilidade do sistema socioecológico que a gente tem hoje no planeta”, enfatiza.

 

Informações da Alepe

Foto: Divulgação/ONU

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