Zika: malformação neurológica tem fundo genético

Existe base genética para explicar porque algumas crianças expostas ao zika vírus no período gestacional nasceram com a síndrome congênita do zika (SCZ) e outras não. A descoberta foi de um grupo de cientistas brasileiros sob a coordenação da professora doutora Mayana Zatz, diretora do Centro de Estudos do Genoma Humano e de Células-Tronco, da Universidade de São Paulo (USP), mas com parcerias em todo o País, inclusive a UFPE.

Os cientistas montaram, há cerca de dois anos, uma força-tarefa para investigar a ocorrência de anomalias neurológicas em gêmeos. Os achados foram publicados, ontem, na revista Nature Communications e trazem uma perceptiva inédita sobre a ocorrência da SCZ. As células dos bebês afetados pela síndrome apresentam uma expressão genética aumentada de mais de 60 genes, sendo que a maioria desses genes é responsável pelo desenvolvimento da região lateral e cortical do cérebro.

No levantamento nacional de crianças, 91 bebês filhos de mães expostas ao vírus foram triados em vários estados. Nove pares de gêmeos foram identificados. Dois pares eram de meninas monozigóticas (idênticas) que nasceram com a síndrome. Já os outros sete pares eram dizigóticos (diferentes e oriundos de esperma e óvulos distintos), ou seja, não tinham o mesmo componente genético. Entre estes fraternos, apenas em um par os irmãos haviam nascido juntos com a microcefalia; nos outros, apenas um dos bebês apresentava as malformações. “Isso só reforçava a hipótese de haver um componente genético aumentando o risco nas crianças que desenvolveram a síndrome”, destacou a pesquisadora e coordenadora do estudo, a geneticista do Instituto de Biociências da USP, Mayana Zatz, em entrevista ao Canal USP.

Uirá Souto Melo, também pesquisador e geneticista da USP, comentou que o estudo pretendia identificar que fatores genéticos poderiam aumentar a suscetibilidade ou a proteção contra os danos do vírus. Para isso foi realizado o exoma (sequenciamento completo dos mais de 20 mil genes do homem).

“Visitamos várias cidades do Nordeste, como João Pessoa, Natal e Recife, e no Sudeste. Fizemos o exoma de 18 bebês afetados pela síndrome. A análise genética verificou que não há um único gene que poderia explicar toda essa susceptibilidade, mas temos pistas de alguns genes envolvidos, entre eles alguns de modulação tanto para o crescimento como morte celular, e outros relacionados ao desenvolvimento do cérebro do bebê intraútero”, explicou o geneticista.

Isso foi confirmado tanto no sequenciamento do DNA, quanto nos experimentos de expressão desses genes. “Dessa forma, nossa hipótese se confirma para a existência de um componente genético. E vamos além, pois talvez haja um componente epigenético, ou seja, de influência do fator ambiental, contribuindo para essa suscetibilidade dos bebês”, reforçou.

O pesquisador e o professor do Departamento de Neuropsiquiatria e do Laboratório de Imunopatologia Keizo Asami (Lika), João Ricardo Mendes de Oliveira, comentou que ao que tudo indica o zika parece funcionar como um gatilho para a expressão desses genes em algumas crianças. Possivelmente, os bebês não iriam apresentar a microcefalia se não tivessem sido infectados. Ele reforçou que isso nada tem a ver com mutação genética.

 

FolhaPE

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