Eles dormem poucas horas, enfrentam fome, sede, frio e calor e são submetidos a exercícios físicos que desafiam os limites dos seus corpos. Essa é a rotina dos homens que escolhem entrar para a tropa de elite da Polícia Militar de Pernambuco. Criado no mês de junho, em substituição à Companhia Independente de Operações Especiais (Cioe), o Batalhão de Operações Especiais (Bope) surgiu como alternativa apontada pelo governo do estado para reduzir a criminalidade. Somente nos sete primeiros meses deste ano, Pernambuco já acumula 3.323 assassinatos. Desse total, 447 aconteceram apenas no mês de julho. Mas nem todo militar que entra para o Curso de Operações Especiais consegue chegar até o fim. Assim como a história retratada no filme Tropa de elite, os militares precisam ter garra para se tornarem um caveira, como são chamados os PMs que concluem a formação.
Depois de sete anos sem realizar esta capacitação em Pernambucano, a Polícia Militar iniciou, em 19 de junho, o treinamento de 54 policiais no Curso de Operações Especiais, dos quais sairão militares para o Bope. O Diario acompanhou alguns dias de atividades e traz um retrato do cotidiano do grupo. Passados dois meses do treinamento, só 21 dos 54 iniciantes seguem na preparação. Trinta e três pediram para sair. O prestígio desse tipo de batalhão é tanto que policiais militares de outros estados também se inscrevem no curso. Atualmente, dez alunos “estrangeiros” seguem realizando as atividades. No Bope, os militares recebem uma gratificação sobre o salário e carregam o status de serem uma força especializada para situações especiais.
Em Pernambuco, os PMs do Bope (atualmente composto por ex-membros da Cioe) são acionados, geralmente, para ocorrências que envolvam resgate de reféns, investidas com explosivos ou assaltos a bancos. No entanto, o efetivo de 120 homens também é acionado para realizar revistas em estabelecimentos prisionais, escoltas de pessoas importantes ou até mesmo de presos de alta periculosidade.
Apesar da aposta do governo do estado a respeito do Bope, o especialista pernambucano em segurança pública e professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Campina Grande (PB) José Maria Nóbrega Júnior acredita que essa não seja a melhor solução para o problema. “Pernambuco está num ritmo de crescimento exacerbado dos homicídios. A situação está fora de controle. É preciso mais investimentos em inteligência, investigação, melhores condições de trabalho nas perícias realizadas em locais de crime. Não vai ser meia dúzia de policiais empolgados que reverterá essa situação da violência”, declarou.
Formação muito além de um Rambo
Imagine dormir só uma hora por dia e acordar disposto para iniciar uma nova maratona de atividades sem saber o que virá pela frente. Assim foram os primeiros dias dos alunos do Curso de Operações Especiais do Bope. Com duração média de quatro meses e meio e dividido em quatro módulos, entre aulas teóricas e práticas, o curso tem o objetivo de desenvolver competências técnicas, como orientações de navegação, montanhismo, trato e conhecimento de animais peçonhentos, explosivos e transposição de obstáculos. Além disso, os policiais irão adquirir conhecimentos em operações e inteligência em segurança pública.
“No nosso Curso de Operações Especiais, os policiais são treinados em quatro fases e recebem orientações não só de integrantes do Bope, mas também de outras unidades especializadas e do Corpo de Bombeiros”, ressaltou o coordenador da capacitação, capitão Alexandre Bezerra. Ele destacou a procura de policiais de outros estados em busca do treinamento do Bope. “Temos divulgado muito a nossa doutrina para outros lugares, através de representantes que chegam aqui para fazer o nosso curso e replicam os conhecimentos obtidos conosco”, completou. No curso atual existem representantes de estados como Amazonas, Amapá, Tocantins, Maranhão, Paraíba, Mato Grosso e Espírito Santo.
Dormir no meio de uma mata, rastejar pelo chão segurando uma metralhadora e fazer travessias dentro da água estão entre os desafios. O alto grau de dificuldade de algumas atividades faz com que muitos policiais desistam do treinamento. Há sete anos, a antiga Companhia Independente de Operações Especiais (Cioe), como se chamava o atual Bope, não abria inscrições para novas turmas. Entre os 54 inscritos para o curso em andamento, todos são homens. Até hoje, nenhuma mulher chegou a participar da formação. Neste ano, uma policial realizou a inscrição, mas não se apresentou para o início da capacitação.
Após dois meses de treinamento, os alunos estão entrando numa fase mais técnica. “Existem as fases rústica, policial, técnica e de operações. Na rústica, primeiro mês de curso, o policial é treinado para situações de cansaço, fome, estresse, sede, frio e calor. Isso acontece para que eles passem a ter qualidades e características capazes de enfrentarem ocorrências que envolvam essas situações”, explicou o subcoordenador do curso, capitão Raphael Pires. Na fase policial, os militares passam a ser treinados com as técnicas de abordagem e contato com o cidadão, coisas que acontecem diariamente. É quando começam as aulas de abordagem e tiro policial.
Nas aulas de tiro policial, segundo o major Câmara Júnior, que é instrutor dessa cadeira e subcomandante do Bope, cada aluno realiza mais de 400 disparos de arma de fogo. Os tiros são efetuados com pistolas .40 e metralhadoras .40. “Os alunos treinam o alvo de distâncias de 5, 10 e 15 metros de distância. Realizam disparos deitados, de joelhos e em pé”, explicou o major. Os militares também recebem treinamento de primeiros socorros. “As técnicas de socorrismo servirão para o caso de um policial ou um terceiro ser alvejado, que o militar possa dar o primeiro atendimento hospitalar até o socorro ao hospital mais próximo”, comentou o capitão Raphael Pires.
Entrar para o Curso de Operações Especiais significa também abrir mão do contato com a família por vários dias seguidos e ainda do acesso ao mundo externo à área do Bope. Durante a semana, os alunos falam apenas como a equipe de instrução. Somente quando são liberados, no sábado ou no domingo, voltam ao convívio da família e amigos. Isso para aqueles que são pernambucanos. Como as folgas são curtas, um dia e meio no máximo, quem mora em outro estado não tem tempo hábil de voltar para casa. Os “estrangeiros” acabam também fazendo laços de amizade com os familiares dos policiais que moram na Região Metropolitana do Recife.
O subcoordenador do curso, capitão Raphael Pires, conta que o cotidiano dos alunos começa cedo e tem atividades ao longo de todo o dia. “A rotina dos policiais que estão passando pelo curso é parecida com a de um internato. Eles se apresentam na segunda-feira às 6h e só são liberados no sábado ou no domingo. Nesse período em que estão aqui, a alvorada (despertar) acontece às 5h, quando o aluno inicia a preparação de equipamento, faz o asseio pessoal e toma seu café. Em seguida já são iniciadas as instruções, que acontecem pela manhã, à tarde e à noite”, detalhou capitão Pires.
Antes de serem liberados para dormir, nessa fase do treinamento, o que acontece por volta das 23h30, os militares têm aproximadamente uma hora para revisarem o que aprenderam. “É dado esse tempo para que o aluno possa estudar e rever todo o conteúdo que foi colocado em prática naquele dia. Em cada fase do treinamento, o aluno vai ter períodos para dormir um pouco mais ou um pouco menos por noite, justamente para ficar treinado para as situações de cansaço”, ponderou o oficial.
Em visita à sede do Bope no mês passado, o governador Paulo Câmara falou sobre as expectativas com o trabalho do novo grupo. “Temos buscado, de todas as formas, trabalhar por um estado mais seguro, com mais paz. Dentro da estratégia do nosso plano de segurança, quando anunciamos um investimento de R$ 290 milhões, estava a criação do Bope. A gente quer que esse batalhão cada vez mais se consolide e ajude a salvar vidas, que é o nosso grande intuito”, declarou Câmara. Também estiveram no batalhão o secretário de Defesa Social, Antônio de Pádua, e o chefe da Polícia Militar, coronel Vanildo Maranhão.
Treinamento não dá margem a fanfarrões
Eles são identificados e chamados pelos números que estão nas roupas que usam durante o curso. Essa é uma das maneiras de preservar a identidade dos policiais que fazem parte da tropa de elite da Polícia Militar. Mesmo depois de formados, quando estão em operações, seguem atendendo pelos números. Independentemente da patente que tenham, os militares que ingressam no Curso de Operações Especiais do Bope são obrigados a seguirem todas as ordens dadas pelos instrutores. Pedindo reserva em suas identidades, dois alunos conversaram com o Diario e contaram sobre os dias de treinamento e o desejo de se tornar um “caveira”.
Há sete anos na Polícia Militar de Pernambuco, um soldado lotado na Companhia Independente de Policiamento com Motos (CIPMotos) disse que sempre sonhou em fazer o curso do Bope. Aos 26 anos, ele pretende chegar ao fim do treinamento. “Desde que entrei para a PM recebemos instruções dos caveiras e passei a ter admiração. Isso foi se tornando um sonho, uma vontade que foi mais forte do que eu de entrar para esse time também. Apesar de saber das dificuldades do curso e que grande parte dos alunos inscritos desistiam, isso alimentou ainda mais a vontade de pelo menos tentar. Não ficaria satisfeito se eu não tentasse esse curso pelo menos uma vez”, contou o soldado.
Sobre os desafios, o aluno diz que os enfrenta para dar orgulho à família. “Graças a Deus, ainda estou aqui. Estou sobrevivendo. Não é fácil, mas a nossa vontade de superar os limites, de voltar para casa formado, de dar orgulho à família, faz com que a gente permaneça aqui ainda. Se depender de mim, eu só saio no fim, só saio quando o curso acabar. Esse sempre foi o meu sonho. Ser formado no Curso de Operações Especiais”, ressaltou o soldado. As aulas são realizadas na sede do Bope, no bairro do Jiquiá, e ainda em outras cidades, como Paudalho, Bonito, Brejo da Madre de Deus, Garanhuns, Petrolina, Serra Talhada e Salgueiro.
Se para os policiais pernambucanos é difícil enfrentar o treinamento nas diferentes regiões do estado, o desafio é ainda maior para quem veio de outros lugares. Com 24 anos, um tenente da Polícia Militar do Mato Grosso está no curso, assim como dois conterrâneos seus. Ele diz que é preciso força de vontade para enfrentar o treinamento. “Estou na polícia há seis anos e sempre observei a dedicação com a qual os caveiras trabalhavam. É um jeito diferente de todos os outros militares de qualquer unidade. Depois que passei a ter contato com eles, comecei sonhar em fazer parte desse seleto grupo. A maior dificuldade para nós, que somos de fora, é a distância da família. A saudade é muito grande. Porém os pernambucanos nos abraçaram, ofereceram seus lares e suas famílias. Estamos fazendo novos amigos. Isso também nos motiva e fortalece”, declarou o aluno.
Diario de Pernambuco
Fotos: Paulo Paiva/DP