Se há um exemplo didático do caos que impera no sistema socioeducativo de Pernambuco, ele se chama Centro de Atendimento Socioeducativo (Case) de Vitória de Santo Antão, na Zona da Mata do Estado. No espaço de uma semana, 30 reeducandos fugiram e quatro morreram na unidade. No último motim, domingo, três adolescentes faleceram asfixiados após um grupo rival tocar fogo em colchões dentro de uma das casas do centro. No dia da barbárie, o Case estava sem coordenador-geral. Desde a sexta-feira, 31 de março, quando o então diretor Anselmo Gonçalves pediu afastamento, a unidade é gerenciada de forma emergencial pelos três subordinados imediatos. São servidores das áreas administrativa, técnica e operacional.
O Case fica no distrito de Pacas, zona rural de Vitória, a cinco quilômetros da PE-45, que liga o município a Escada, na Mata Sul. Com um investimento de R$ 13 milhões, foi inaugurado no fim de 2013 pelo então governador Eduardo Campos, para servir de referência em socioeducação. Hoje é motivo de preocupação para quem trabalha na unidade e, principalmente, para as cerca de 300 famílias que vivem no entorno.
Sem se identificar, uma moradora diz que tenta acostumar-se à rotina de fugas e rebeliões do local. “A gente se tranca em casa e fica torcendo para eles fugirem para longe daqui”, diz. Muitos se armam com facões e foices para enfrentar eventuais invasões de suas residências. Também em reserva, um agente socioeducativo que trabalha no Case conta que os plantões são conduzidos por oito funcionários, quando o número indicado seria 20. O problema não é a superlotação (a unidade tem capacidade para 72 internos, e, atualmente, abriga 28), mas o tamanho: o centro tem uma área de 2,5 hectares, ou dois campos e meio de futebol. “A gente se vira como pode, porque é impossível vigiar a área toda”, explica.
O reflexo da falta de efetivo pode ser percebido nas guaritas vazias. É por elas que os internos escapam, segundo moradores. “Até os agentes perceberem e irem ao local, muitos já fugiram”, diz uma dona de casa que mora nas imediações.
Na próxima sexta-feira, o Conselho Estadual de Direitos da Criança e do Adolescente (Cedca) fará uma reunião para cobrar responsabilidades dos vários envolvidos na questão do sistema socioeducativo, como governo do Estado, Ministério Público e Judiciário. “As respostas que têm sido dadas até agora são superficiais, não atingem a origem do problema. O Case de Vitória, por exemplo, vem de duas rebeliões seguidas, com quatro mortes, e o governo trata a questão como fatos isolados”, reclama Deila Martins, advogada do Gabinete de Assessoria Jurídicas Organizações Populares (Gajop) e integrante do Cedca.
PLANO
A Fundação de Atendimento Socioeducativo (Funase) explica que está sendo definido o novo nome para ocupar a direção do Case de Vitória, e também confirma a falta de videomonitoramento na unidade depois da rebelião do dia 24. Ainda de acordo com a Funase, o plano de reestruturação do sistema socioeducativo será apresentado amanhã à sociedade. O documento foi uma promessa do então presidente do órgão, Roberto Franca (hoje secretário estadual de Desenvolvimento Social, Infância e Juventude), em novembro de 2016, depois de duas violentas rebeliões – em Timbaúba, na Mata Norte, e Caruaru, no Agreste – onde morreram 11 adolescentes em uma semana.
JC Online
Foto: Divulgação/Funase