Thaylânia Sofia tem apenas 5 meses e, mesmo com tão pouco tempo de vida, seu destino deverá ser o mesmo que o do avô e dos pais. Num barracão de lona, tábua e chão batido, de três cômodos, a pequena vive em meio às moscas e urubus, rodeada de lixo. A realidade de pobreza extrema não é só a da sua família, mas a de dezenas que moram em meio a uma imensidão de lixo a céu aberto em Vitória de Santo Antão, Mata Sul do Estado. É lá, a dois quilômetros da BR-232, que 80 famílias sobrevivem com o pouco dinheiro arrecadado com a venda de materiais recicláveis que recolhem do lugar. A cada dia, as montanhas de lixo têm aumentado ao ponto de já serem vistas da pista. Um cenário que, para a maioria das pessoas que reside no local, é rotina há mais de 30 anos. E, enquanto a cidade não se adequa à Política Nacional de Resíduos Sólidos nem a promessa da gestão de implantar uma cooperativa de reciclagem não sai do papel, resta às famílias a ilusão de acreditar que, algum dia, suas vidas podem mudar.
Quem também vive do lixo é Carlos André Ferreira, 26. Assim como a rotina da família de Adriano, a sua não é nada fácil. “É das 5h até as 18h, 19h. No fim de tarde, o caminhão da prefeitura chega com mais lixo e isso vale ouro para a gente. Quam cata mais, consegue tirar mais um pouquinho de dinheiro. Chego a tirar até R$300 por semana. Dá para garantir o leite em casa”, diz. O seu irmão, Gustavo Santos, 21, também segue o mesmo caminho. Tira do lixo o seu sustento há seis anos. “E quando não é isso, faço um bico de encanador aqui, outro bico de ajudante de pedreiro ali. Tendo serviço, eu faço. E assim, a gente vai se arrumando. Todo dia, uma vitória.” A fé que ambos carregam, descrevem, é os que mantêm firmes para enfrentar as dificuldades. Católicos desde criança, levam no pescoço um terço. “O pouco para os outros, para a gente é muito. Se estamos aqui é permissão de Deus”, fala, emocionado, Ferreira.
Consequências
“Os lixões são criadouros de bactérias e parasitasse, o que é preocupante, visto que essas pessoas têm contato direto, sem luvas ou botas. Além disso, lixões são chamariz para roedores, que podem transmitir doenças como a leptospirose. Um perigo essa vida que eles levam”, alerta o infectologista Vladimir Guimarães. Sem tratamento, o próprio lixo orgânico entra em combustão, fazendo com que o metano – 21 vezes mais nocivo do que o gás carbônico – contribua ainda mais para a poluição do ar. “Claro que tememos o fechamento desse lixão. Se já somos invisíveis para a sociedade, imagina se tirarem o nosso único ganha pão?!”, questiona uma das moradoras, Nataciana de Miranda, 24.
Promessas
Secretário de Planejamento e Orçamento de Vitória de Santo Antão, José Barbosa explicou que os trâmites burocráticos de licitação são o principal impasse para que a gestão instale uma usina de geração de energia. “O projeto está pronto. Mas, não podemos fazer um contrato direto com a empresa que irá executar. É preciso passar por licitação e esse processo não é rápido”, justifica. Embora sem prazo para a instalação do equipamento, com o fechamento do lixão, os caminhões de coleta iriam descarregar todos os entulhos diretamente na usina. Segundo ele, até 97% do lixo seriam incinerados para a geração de biogás. “Esse biogás seria utilizado pelo próprio município ou ser vendido para empresas, gerando renda e emprego para Vitória de Santo Antão. A usina chega a ser mais eficaz que um aterro, uma vez que aterro tem validade. Chega um momento que não há mais terra para enterrar tanto entulho”, analisa Barbosa.
Ele alega que a medida não iria prejudicar as famílias. “A ideia é também criarmos uma cooperativa de catadores de lixo para dar destino ao que não fosse aproveitado na usina para que eles não deixem de ter a própria renda. Mas, claro que estamos analisando para onde realocá-los antes de a usina ser implantada. Nãopodemos simplesmente expulsá-los porque há todo um contexto social por trás”, pondera o secretário. Procurado pela Folha, o Ministério Público de Pernambuco informou que “o órgão ajuizou ação civil pública em relação à regularização do lixão de Vitória e o processo ainda se encontra na Justiça para decisão final.”
Folha de Pernambuco
Fotoa: Alfeu Tavares/Folha de Pernambuco