Quem engravidou teme que o bebê nasça com a malformação ocasionada pelo vírus.
Foto: Leo Motta/Folha de Pernambuco
Planejamento familiar. O assunto tem até legislação federal, mas em geral é deixado de lado. É rotina encontrar filhos de um “descuido” ou do “sem querer”. A pesquisa “Nascer no Brasil: Inquérito Nacional sobre Parto e Nascimento”, aponta que cerca de 30% das brasileiras não planejaram a gestação. A falta de organização na decisão por ter um filho agora se vê confrontado com o surto de microcefalia, que pode surpreender duplamente a mãe. Especialistas consultados pela Folha orientam sobre a necessidade de discutir o planejamento familiar nesta crise sem precedentes da epidemia de zika, que cercam o nascer de incógnitas.
A Lei 9.263, que trata sobre planejamento familiar no Brasil completará 20 anos em 2016, ano que promete ser decisivo para descobertas e acompanhamento sobre o que provocou a enxurrada de crianças com malformações cerebrais em 2015. A normativa explica que organizar a chegada dos filhos ao mundo é um direito que garante um conjunto de ações de regulação da fecundidade, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal.
Entre os seus alicerces estão ações preventivas e educativas que levem a um acesso igualitário a informações, meios, métodos e técnicas disponíveis para a gravidez ou prevenção dela, cabendo ao SUS gerir essa dinâmica. E na cartela de métodos ofertados pelo Sistema Único de Saúde estão desde os menos invasivos, como pílula anticoncepcional, injeção e preservativo, ao DIU, laqueadura e vasectomia.
Para o gestor do ambulatório de planejamento familiar do Hospital das Clínicas (HC), Cláudio Leal, a multiplicidade de itens de prevenção a uma gestação indesejada parece não ser suficiente para evitar um atropelo na formação de uma família. “O problema é falta de esclarecimento das pacientes”, afirmou. Isso significa dizer que elas, muitas vezes, não recebem as informações e orientações necessárias e claras sobre como se organizar quando o assunto é gravidez. Em outras, simplesmente ignoram isso. “É preciso que elas tenham o conhecimento de determinados métodos concepcionais e escolham o que se adapte a elas. O que acontece algumas vezes é uma dificuldade que essas pacientes têm em receber essa orientação. É a falta de orientação e educação que as leva a engravidar de maneira indesejada”, comentou.
A dona de casa Juliana Brayner, 32 anos, foi uma dessas pegas de surpresa pela gravidez e hoje tem Lucas, 1 ano e 7 meses. “Lucas não foi planejado. A gente entende o que é planejar um filho, mas nunca faz direito. Eu queria muito, mas se fosse pensar profissionalmente e financeiramente não iria ter nunca. Ele veio, foi bem-vindo e tivemos que batalhar”, confessou.
Alerta
Para Cláudio Leal, o grande volume de bebês nascidos com microcefalia – 1.031 em Pernambuco e 2,7 mil no Brasil até agora – acenderam o alerta naquelas que tinham afrouxado as rédeas nos métodos contraceptivos. Segundo ele, o momento atual exigirá além de organização, bom senso. A recomendação do profissional é de que as mulheres busquem esperar pelo menos alguns meses para tentar engravidar. A expetativa dele é que o meio do ano já haja algumas respostas sobre a epidemia nacional e que possa tranquilizar as mulheres sobre a concepção.
A dica é a mesma da gerente de Saúde da Mulher da Secretaria Estadual de Saúde (SES), Letícia Katz. “As informações sobre a situação do País e de Pernambuco têm chegado de maneira muito clara e direta. Todos estão cientes do que estamos vivendo. A microcefalia é uma variável a ser considerada no planejamento famíliar neste momento”, destacou.
NATALIDADE
Segundo o IBGE, a taxa de natalidade do Brasil vem caindo e se aproximou do índice de países desenvolvidos. No ano 2000 eram 20,86 bebês por mil habitantes. Em 2010, a taxa caiu para 15,88 e em 2015 ficou em 14,16. De acordo com o médico Cláudio Leal, algumas mulheres de áreas mais endêmicas para o mosquito Aedes aegypti e, consequentemente, com transmissão de zika, chikungunya e dengue, têm procurado o ambulatório do HC em busca de evitar a gravidez.
Letícia Katz acredita que o grande volume de casos de microcefalia suspeitos por contaminação do zika vírus pode impactar ainda mais na desaceleração da natalidade. Para ela, isso pode ser temporário ou não, a depender das respostas que a ciência trará.
A vendedora Angélica Vieira, 33, quer ter um terceiro filho antes dos 40 anos e se organizou para engravidar neste ano. Contudo, voltou atrás quando os casos de malformação congênita explodiram. “Tinha planos para 2015 ou 2016, mas agora decidi aguardar”, contou. Mãe de uma menina de 9 anos e outro menino de 13, Angélica comentou que o terceiro bebê seria até então o único com real planejamento. O menino chegou quando ela tinha apenas 17 anos e aconteceu por descuido e desconhecimento. A menina nasceu quando ela também se descobriu grávida aos 25 anos.
ESTERILIZAÇÃO
As laqueaduras e vasectomias também estão previstas na legislação sobre planejamento familiar. Contudo, há uma série de critérios para que os procedimentos aconteçam. É preciso que homens e mulheres tenham capacidade civil plena. Devem ainda ser maiores de 25 anos, ou pelo menos, com dois filhos vivos, desde que observado o prazo mínimo de 60 dias entre a manifestação da vontade e o ato cirúrgico, período no qual será propiciado à pessoa interessada acesso a serviços de regulação da fecundidade, incluindo aconselhamento por equipe multidisciplinar, visando desencorajar a esterilização precoce.
Também é possível a laqueadura em casos de risco à vida ou à saúde da mulher ou do futuro concepto, testemunhado em relatório escrito e assinado por dois médicos. A norma ainda indica que é vedada a esterilização cirúrgica em mulher durante os períodos de parto ou aborto, exceto nos casos de comprovada necessidade, por cesarianas sucessivas anteriores.
“O Estado têm habilitado mais serviços de laqueadura e vasectomia, mas existe um protocolo a ser seguido. Porque esses são métodos considerados definitivos”, explicou Letícia Katz . Até outubro deste ano foram 1.504 vasectomias na rede de 21 hospitais que fazem o procedimento. Durante todo o ano de 2014, foram 2.188. Já as laqueaduras, até outubro de 2015, somaram 1.498 procedimentos em 31 hospitais. Em 2014 foram 1.462 cirurgias.
Dificuldades
Apesar de o governo garantir que tem ampliado a oferta de esterilização, mulheres como Daniele da Silva, 30, reclamam da dificuldade em conseguir a cirurgia. “Já tenho dois filhos e não quero outro. Mesmo assim não me ligam”, reclamou. A dona de casa comentou que outros métodos contraceptivos já falharam. “O planejamento familiar evita diversos transtornos. Só durante a leitura dessa matéria alguma mulher já morreu no Brasil por um abortamento provocado”, alertou Cláudio Leal.
Folha de Pernambuco