Imagine um investimento que, se bem sucedido, lhe dará um retorno de cem vezes o valor aplicado. Parece promissor? Em sete das dez maiores cidades de Pernambuco, empresas que doaram a soma de R$ 1,1 milhão para as campanhas dos prefeitos eleitos, ou reeleitos em 2012, receberam juntas R$ 120 milhões desde 2013, quando as atuais gestões municipais tiveram início. O JC chegou aos valores a partir do banco de dados do Tome Conta, novo portal do cidadão do Tribunal de Contas do Estado (TCE).
No Cabo de Santo Agostinho, três dos cinco maiores fornecedores da prefeitura são empresas que fizeram doações para ajudar a eleger o prefeito Vado da Farmácia (PSB). É o caso da Locar Saneamento Ambiental, de limpeza urbana, o maior contrato do município. Em 2012, a companhia, que já atuava na cidade, contribuiu com R$ 5 mil para a campanha do socialista. Desde 2013, quando Vado tomou posse, a Locar recebeu R$ 46,1 milhões. Na atual gestão, ela venceu um pregão em que concorria sozinha e conseguiu outras quatro dispensas de licitações, segundo os registros do Tome Conta.
Legalmente, não há impedimento para que empresas que tenham contribuído para campanhas políticas sejam contratadas por órgãos públicos através de licitações isentas e dispensas justificadas. Em setembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional a doação de pessoas jurídicas para campanhas políticas nas próximas eleições.
Em Recife, Paulista, Camaragibe, Jaboatão dos Guararapes e Caruaru, empresas que doaram para as campanhas dos cinco prefeitos também receberam valores milionários na atual gestão. Só a Empresa de Urbanização do Recife (URB) pagou R$ 39 milhões para a construtora Queiroz Galvão durante a atual gestão, segundo os registros do Tome Conta. Em Paulista, a Casa de Farinha já recebeu R$ 4,7 milhões da prefeitura para oferecer alimentos a alunos de programas de educação como o ProJovem Urbano desde que venceu um pregão em 2013. Propriedade de um filho do ex-presidente da Ceasa Romero Pontual, ela contribuiu com R$ 30 mil para a campanha de Junior Matuto (PSB).
No Agreste, pelo menos sete empresas que apoiaram a reeleição do prefeito de Caruaru, José Queiroz (PDT), receberam algum pagamento do município no atual mandato. Para quatro delas, o site do TCE não aponta contratos anteriores à atual gestão.
“Mesmo quando a doação é legal, ela tem por trás disso uma finalidade ilegal, que é o favorecimento. A prática gritante é do financiamento de campanha como investimento. Isso ficou claro com a Lava Jato. Empresa não vive de caridade, vive de lucro. Não é doação por conta de ideologia ou de simpatia com o candidato e com o partido político”, alerta Maviael Souza, coordenador do Centro de Apoio às Promotorias (Caops) em Defesa do Patrimônio Público.
EXCEÇÃO – Apesar das somas milionárias, alguns doadores receberam valores bem menos expressivos das prefeituras administradas por prefeitos que eles apoiaram financeiramente durante a última campanha. É o caso de Petrolina, onde o Auto Posto Centenário, que havia contribuído com R$ 50 mil para a campanha à reeleição de Julio Lóssio (PMDB), recebeu pagamentos no valor de R$ 21 mil da prefeitura.
Além disso, em três das dez maiores cidades de Pernambuco, o sistema do Tome Conte não identifica nenhuma relação entre as empresas que aparecem na prestação oficial de campanha enviada à Justiça Eleitoral e a lista de fornecedores do município: Olinda, Garanhuns e Vitória de Santo Antão.
Contrário à doação empresarial de campanha, o presidente do Tribunal de Contas, Valdecir Pascoal, diz que as informações sobre doação eleitoral são analisadas durante as auditorias quando há indícios de fraudes. Ele também defende uma atuação preventiva dos órgãos de controle para coibir o favorecimento de empresas na contratação com o poder público. Só em 2015, o acompanhamento dos principais atos de gestão, desde o lançamento do edital e a correção de falhas nos processos de contratação, já teriam economizado meio bilhão de reais ao erário. “Outra medida importante é uma responsabilização forte sobre agentes públicos e privados que cometerem irregularidades graves”, defende.
Segundo Marcos Lira, procurador-Geral da Prefeitura do Cabo, não há nenhuma correlação entre as doações e a contratação de empresas. Ele lembrou que as grandes empresas fazem doação para vários políticos, inclusive que concorrem ao mesmo cargo e, no caso da Locar, afirmou que a empresa de saneamento tem vencido várias licitações no Cabo desde a gestão Elias Gomes. “Se alguém quer esconder alguma coisa, não vai fazer a doação oficial. Se fez a doação oficial e registrou, é porque não há nenhuma irregularidade”, afirmou.
Por meio de nota, as demais prefeituras negaram qualquer favorecimento aos doadores de campanha e defenderam a legalidade das licitações e dispensas realizadas. A gestão de Paulista afirmou que os contratos em questão já foram encerrados. Já a Controladoria de Caruaru disse não ter conseguido identificar registros de pagamentos de três das empresas listadas na ferramenta: Biolab, J. D. Lira Engenharia e Motorac. A Prefeitura do Recife disse que os contratos com a Queiroz Galvão e Cinkel são anteriores à atual gestão.
Informações do JC Online