Em meio a polêmicas nacionais, religiosos se candidatam à vida parlamentar em Pernambuco

“Esses assuntos não se discutem.” É o que se diz logo que se fala em política e religião. Mas e se eles estiverem juntos? Entre os 25 deputados federais por Pernambuco, dois usam a função de pastor evangélico no nome, ambos candidatos à reeleição. Esses são apenas alguns dos representantes de bandeiras religiosas nestas eleições, marcadas também pelo debate sobre temas como o casamento gay e a legalização do aborto.


Conhecido pelo jingle de autoria própria usado em todos os pleitos em que concorreu, Cleiton Gonçalves da Silva, o Pastor Cleiton Collins, da Assembleia de Deus, é um dos candidatos protestantes. Aos 47 anos, está no terceiro mandato como deputado estadual, integrando as comissões de Assuntos Internacionais, da Comissão de Cidadania, Direitos Humanos e Participação Popular e de Defesa dos Direitos da Mulher.


Desde que se tornou deputado, o pastor, que há 22 anos era usuário de drogas, tem atuado na defesa das ações de igrejas no combate aos entorpecentes. “As igrejas têm um papel importante nas casas de recuperação, nos bairros. Ela vai onde o estado não chega. A obra sem fe é morta e a fé sem obra também”, afirma. Para Cleiton Collins, ações preventivas, na melhoria da qualidade de vida e da educação, são necessárias

Pleiteando um novo mandato, quer lutar para que as casas de recuperação sejam regulamentadas. “O Estado tem obrigação de cobrir esse processo, mas a igreja não pode ficar parada e tem que ser respeitada”, diz. “Se todo mundo quer ser absoluto, você não vai chegar a lugar nenhum. Absoluto só Deus”, acrescenta.

Na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), propôs a instituição de atividades extracurriculares contra o uso de drogas nas escolas estaduais, a destinação de 3% das vagas em empresas com contratos de prestação de serviços no Executivo às pessoas que realizaram tratamento de dependência química e a inclusão da frase “Dizer não às drogas é um ato de liberdade e inteligência” nos ingressos e material promocional de evento, projetos enviados para publicação. “Existe uma tribuna. Cada deputado é a voz do povo dentro da Assembleia. Ele tem que gritar, não pode sentar e ficar sem se posicionar”, afirma.

Se as propostas são as mesmas, a resposta para os temas polêmicos também será mantida: é contra a união homoafetiva, o aborto e a legalização da maconha, provavelmente os assuntos mais discutidos. “Nesses projetos polêmicos eu entro para rachar”, assume, afirmando ser “bobagem” o desejo de pessoas do mesmo sexo serem reconhecidas como família.

As ideias são compartilhadas pelo vereador André Ferreira (PMDB), 41 anos, também fiel da Assembleia da Deus na disputa por uma das 49 vagas na Alepe, embora ele se coloque como menos radical que outros religiosos. “Não pode ser oito nem 80. Liberdade demais não ajuda e ser muito conservador também não. A gente tem buscado achar essa medida, para defender as nossas teses não só com radicalismo, mas com propostas”, pondera. “O nosso mandato não é totalmente voltado para a religião, mas, lógico, você tem uma religião, você tem os seus princípios.”

Na prática, porém, se posiciona claramente contra os temas considerados polêmicos. “Acho que o aborto é assassinato contra alguém que não pode se defender”, afirma. Para ele, a defesa de questões como a legalização da maconha “não vem ajudando”, sob a alegação de que essa droga é o inicio de qualquer vício. Em sua defesa, diz que faz, em contrapartida, projetos que beneficiam a população, como o que regulamenta a instalação de sinais sonoros nos semáforos localizados em frente a escolas e hospitais da capital pernambucana, sancionada em 2007.

O vereador acredita que há uma inversão de valores no País. “Por sermos religiosos, temos ações muito voltadas para a família, para os bons costumes”, disse, no plural por se referir ao irmão, o deputado federal candidato à reeleição Anderson Ferreira (PR), outro evangélico, que propôs o Estatuto da Família, documento que prevê as “diretrizes das políticas públicas voltadas para a valorização e o apoio à entidade familiar”, entendendo, no entanto, isso apenas como a “união entre um homem e uma mulher”.

Seja declaradamente, usando a função, como Cleiton Collins, ou de forma mais discreta, como faz André Ferreira, não são poucos os candidatos religiosos em Pernambuco. Entre os 544 postulantes à Alepe, oito se apresentam na urna com o cargo de pastor – além de Cleiton Collins, Santana (PTN), Carlos (PRP), Ana Rita (DEM), Augusto Ribeiro (PHS), Crhistian Lisboa (PSC), Jobson Rocha (PHS), Aglailson Jr. (PHS). E são cinco entre os 177 federais – Eurico (PSB), Vilalba (PP), Joab (PRP), Robson Rodrigues (PRP), Eduardo (PR).

Nacionalmente, os candidatos Marina Silva (PSB) e Pastor Everaldo (PSC) são evangélicos e a socialista se envolveu em polêmica ao publicar errata sobre o capítulo referente aos direitos LGBT no seu programa de governo.

De acordo com o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), quase dois milhões, dos nove milhões pernambucanos, são evangélicos. Nacionalmente a porcentagem de católicos caiu de 73,7%, em 2000, para 65%, em 2010, enquanto os evangélicos passaram de 15,5% para 22,4% nos mesmos 10 anos.

“É importante ressaltar que a bancada evangélica surgiu em paralelo ao crescimento do neopetencostalismo, vertente caracterizada por uma ampla inserção nas camadas pobres, caracterizado por um discurso emocional e salvacionista extremamente forte. O neopetencostalismo se coloca como uma alternativa à situação de disparidade e, muitas vezes, de desamparo em relação a políticas públicas sofrida por estas camadas”,explica a professora de sociologia Liana Lewis, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
OUTROS LADOS – A influência da religião sobre a política não é exclusividade do Brasil, e muito menos de Pernambuco. O mundo ocidental viveu centenas de anos de regimes teocêntricos e de governos aliados ao cristianismo, cenário que começou a ser modificado há quatro séculos, com a Idade Moderna, que trouxe o iluminismo e o antropocentrismo – pelo menos na teoria. No Oriente Médio, os religiosos estão no poder até hoje.


O professor de teologia Degislando Nóbrega de Lima, da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), explica que religião e política estão juntas por ambos serem expressões humanas. Mas pondera: “Considero uma pena ter muitos que entram na política para impor a sua visão de mundo, de modelo de sociedade. É muito complicado numa sociedade pluralista. Existe outra maneira de articular a fé e a política, focando não tanto na imposição da fé, mas sobretudo nos valores solidários para o bem comum”, defende o especialista.

“Entendo que em um Estado, de fato laico, não deveria ser admitido a institucionalização de partidos políticos. O resultado que temos assistido é uma forte interferência de uma moral religiosa nas vidas de cidadãos que não comungam dos preceitos de uma determinada religião”, defende Liana Lewis. A última Constituição brasileira que trouxe o catolicismo romano como religião oficial do País foi a de 1824, que teve validade por quase 60 anos.

Grupos que representam um dos maiores embates com os parlamentares religiosos, os movimentos LGBT consideram a atuação deles uma barreira à conquista dos direitos deles. “Se a gente tem qualquer posto importante nas mãos de um fundamentalista, corre o risco de perder o direito que a gente conquistou”, afirma o coordenador da ONG Leões do Norte Welington Medeiros. “O direito de se candidatar tem, mas nao de interferir, de misturar. Deus, para eles, é muito mais importante que o direito das pessoas”, conclui.

PERTO DAS ELEIÇÕES – A pouco mais de 20 dias do primeiro turno, realizado em 5 de outubro, foi aprovada na Alepe o projeto de lei que institui, no calendário oficial de Pernambuco, a Semana Estadual de Estudos da Palavra de Deus, em abril. No mesmo dia, o pastor maranhense Josué de Souza Costa recebeu, pelo seu trabalho na pregação do Evangelho junto aos fiéis do Estado, o título de cidadão de Pernambuco.

Informações do NE10