A difícil missão de quem trabalha há 27 anos com o difícil processo de despedida. Sepultadores dizem que prefeririam assistir ao enterro a enterrar.
Marco Aurélio e Inaldo trabalham no Cemitério de Santo Amaro, no Recife, há 27 anos, votaram em Arraes e Campos e, em ambas as situações, prefeririam não ter sepultado os ex-governadores. |
Mesma veia política, mesmo dia de morte e mesmos sepultadores. Os profissionais que viram um jovem Eduardo Campos, ainda político em ascensão, chorando a perda do avô, o ex-governador Miguel Arraes, num corredor do Cemitério de Santo Amaro, no Recife, serão aqueles que, agora o enterrarão. Inaldo José da Silva, 59, e Marco Aurélio dos Santos, 51, têm muito em comum: trabalham há 27 anos no local, votaram tanto no avô quanto no neto para os cargos majoritários que ocuparam e não almoçaram nesta quarta-feira (13), quando receberam a notícia do falecimento do presidenciável.
Com o rosto cansado, Inaldo desvia o olhar, fita o céu e diz que o serviço da vez é ruim porque é do “homem que seria presidente”. É “doído”, como diz. “A gente sente também, sabe? Não gosto de enterrar ninguém. Faço porque tenho que fazer e pronto”, conta. A fatídica semana de agosto de 2005, os dois lembram em detalhes. “Um caixão que a gente chama ‘tipo champagne’, de gente ‘importante’. Gente que não acabava mais. Trinta mil pessoas, diziam…”, lembra o mais novo. A mais marcante imagem foi a de um chapéu de palha deixado em cima do caixão, antes de o cobrirem. “Era gente do interior. Gente humilde. Cheios de chapéus, como naquele programa do avô desse de agora”, completa Inaldo.
Sobre as eleições, Marco Aurélio garante: “dessa vez, não dava pra ele. Mas da outra? Com certeza. Que nem Lula!”, diz o homem que já enterrou o músico Chico Science e a deputada e jornalista Cristina Tavares. Diz que o candidato escolhido por ambos era Eduardo Campos. E também que escolha foi o que faltou ao serem escalados para a atribuição de sepultá-lo. “Preferiria assistir ao enterro do que enterrar”, completa, com pesar.
O único envolvido no enterro de Arraes que estará de fora do último adeus ao neto dele é Edmilson Silva. Ele passará este sábado à espera de notícias sobre o enterro, mas acompanhará tudo de longe. É que antes, era preciso o trabalho de mais pessoas para fechar o túmulo com placas de concreto, hoje, apenas dois homens são necessários para concluir o fechamento da gaveta de um sepulcro.
“Inaldo e Marco Aurélio foram escalados para o serviço. É fazer história!”, comenta o gerente do cemitério, Rogério Rodrigues Ferro. Com fardamento novo, de prontidão e muito pesar, os dois homens, mais velhos que Eduardo, farão apenas mais um trabalho. No automático. Como é feito de 15 a 20 vezes por dia nos 14 hectares daquele mesmo cemitério. Mas conhecer – e admirar – quem ali “colocarão” faz toda diferença. Trabalho “doído”, como ao qual não estão acostumados. Sem querer, farão parte de uma história que prefeririam não precisar contar…