Interesse em torno do instrumento se renova por meio de jovens músicos. Mas mestres como Camarão continuam na ativa
Do Diario de Pernambuco
A sanfona, acordeom ou acordeão está para o forró assim como a guitarra está para o rock. Símbolo de uma das mais representativas manifestações populares do Nordeste brasileiro, o instrumento ganha destaque em tempos de festas juninas, ainda que o espaço para o pé-de-serra – onde ela é mais comumente utilizada – esteja diminuindo nos grandes palcos de Pernambuco e em outros estados da região. Para regozijo dos que a admiram, o interesse em torno da sanfona se renova por meio de jovens músicos. Indício de que a tradição deve permanecer viva por muitos anos. Às vésperas do feriado de São João, o Viver reúne histórias de personagens de idades diferentes, de palcos distintos, mas com amor semelhante pelo som que criou e, ainda hoje, embala o forró. Histórias entrecortadas pela admiração à sanfona e aos traços eternos da cultura nordestina.
Autodidata e mestre
Natural do Brejo da Madre de Deus, no Agreste pernambucano, ele completa 73 anos de vida justamente no dia 23, véspera de São João. O interesse pela sanfona surgiu em família. “Comecei vendo meu pai tocar. Ia a shows e observava os músicos tocando. A partir daí, comecei a estudar sozinho. Também trabalhei no rádio por um tempo, o que me ajudou a pegar muitas informações”, relembra.
Camarão teve contato com Sivuca, Hermeto Pascoal, Julinho do Acordeon e Luiz Gonzaga. O Rei do Baião chegou a produzir os dois primeiros álbuns da Banda do Camarão, considerada o primeiro grupo de forró do Brasil. Há 15 anos, Camarão dá aulas na Escola Acordeon de Ouro, fundada por ele em Areias, no Recife. “Recebo gente de todas as idades e vejo jovens se interessando pela sanfona”, comemora o professor de Cezzinha, um dos nomes mais festejados da nova geração de sanfoneiros.
O velho mestre lamenta o número reduzido de apresentações marcadas nesta época festiva. “No ano passado, fiz mais shows”, reclama. Em seguida, emenda: “Sou patrimônio vivo da cultura. Gente como eu deveria ter preferência nas programações”, desabafa. “O que Luan Santana tem a ver com São João de Caruaru e com o forró?”, indaga.
Foto: Beto Figueiroa |
Espiou, aprendeu
Duda da Passira começou a ter contato com o instrumento aos nove anos. Como o sobrenome artístico já indica, ele nasceu em Passira, no Agreste de Pernambuco, mas mora em Vitória de Santo Antão, na Zona da Mata Norte. Além do trabalho solo, já trabalhou com Novinho da Paraíba, Jorge de Altinho, Quinteto Violado, Targino Gondim, entre outros.
Fã de Dominguinhos e Luiz Gonzaga, Duda conta que não foi fácil aprender a executar as primeiras notas do instrumento. “Meu pai me deu a sanfona quando eu era criança. Na época, nem rádio eu tinha. O que fazia era ficar espiando o que os vizinhos tocavam. Daí, eu corria pra casa para tentar repassar o que eu tinha observado e escutado”, rememora.
O sanfoneiro Duda da Passira se mostra bem contente pelo interesse dos mais novos em relação ao instrumento musical. Mas ele aconselha: “Para ser um bom sanfoneiro, não basta tocar bem. É preciso ter humildade e bom caráter. É feio ficar se comparando a outros, competindo para ver quem é melhor”.
Integrante do grupo Clã Brasil, da Paraíba, Lucy Alves surpreende pelo carisma e pela desenvoltura com a sanfona. Foto: Gualtier Sgarboza/Divulgação. |
A beleza morena
A cantora e multi-instrumentista paraibana Lucy Alves, 27, chama a atenção pela beleza morena. No palco, a integrante do grupo Clã Brasil, também da Paraíba, surpreende pelo carisma e pela desenvoltura com a sanfona. Ela foi apadrinhada por Alceu Valença, com quem já se apresentou como convidada.
Ela conta que um DVD do grupo chegou às mãos de Alceu, que também viu diversos vídeos da banda no YouTube. “Ele gostou bastante. Em 2012, nós nos encontramos no Rio, através de Chico César (compositor e atual secretário de Cultura da Paraíba). Depois, surgiu a ideia de fazer participação em show e acabei entrando na banda dele”, conta.
Lucy aprendeu a tocar sanfona sozinha. O aprendizado foi facilitado por conta das aulas de piano que ela fez, anteriormente, durante dois anos. “Sempre que posso procuro me reciclar, fazer exercícios para poder tocar e cantar ao mesmo tempo. Estou sempre aprendendo”, reforça. A sanfoneira diz acreditar no crescimento do interesse pelo instrumento. “Quando toco em lugares como São Paulo, por exemplo, a maioria do público é muito jovem. O povo gosta”.
O discípulo admirado
O caruaruense André Julião ganhou impulso na carreira quando, em 2003, foi convidado pelo músico e cantor pernambucano Silvério Pessoa para acompanhá-lo na então turnê internacional do primeiro disco do cantor, Bate o mancá – o povo dos canaviais, lançado dois anos antes. “Uma década depois, recebi convite para tocar com Alceu Valença. Até hoje não caiu a ficha de estar tocando com um ídolo”, ele comemora.
Entre os principais ídolos, André cita Luiz Gonzaga, Duda da Passira, Genaro, Arlindo dos Oito Baixos, Heleno dos Oito Baixos (“que tem uma pegada muito bonita”) e Sivuca. “Ele (Sivuca) é a Bíblia da sanfona. Conseguiu juntar a musicalidade feita no interior com a erudita de forma ímpar”, exalta.
Para o instrumentista, Dominguinhos é um dos sanfoneiros que mais tem influenciado os jovens a seguir pelo caminho. “Acho que conseguiu fazer com que os mais novos vissem a sanfona como um instrumento tão forte e atraente quanto a guitarra. É uma coisa genial!”.
Público parisiense tem encontro marcado com o forró nas terças-feiras no Café de La Plage, com o cantor, compositor e sanfoneiro recifense Bernardo Luiz, 31 anos. Foto: Eduardo Duarte/Divulgação. |
Baião de Paris
Às terças-feiras, o público parisiense tem encontro marcado com o forró. A festa é no Café de La Plage e é comandada pelo cantor, compositor e sanfoneiro recifense Bernardo Luiz, 31. Músico autodidata, toca violão clássico, cavaquinho, contrabaixo e, há sete anos, sanfona.
A primeira passagem pelo continente foi em Berlim, na Alemanha. “Só aprendi “uns 20%” de alemão. Mas deixei uma filha alemã lá, em Hamburgo”. Em Paris, onde mora há quatro anos (e há dois com cidadania francesa), Bernardo toca acompanhado por um zabumbeiro argelino (“eu que o ensinei a tocar”), um cavaquinista francês e uma francesa, que toca triângulo. “Ela é afinadora de acordeon e está esperando um filho meu”.
O repertório é formado por 80% de canções autorais dele e o restante por obras de Luiz Gonzaga, Sivuca… “Quando ouvem forró, os franceses dizem sentir o calor e a alegria dos brasileiros”. Segundo ele, há mais cinco grupos de forró em Paris. “Na Europa, a profissão de acordeonista é valorizada. Há cursos superiores para quem deseja tocar o instrumento e até uma copa do mundo de sanfona, na Itália”.