Por Lucivânio Jatobá
Quando menino, adorava brincar intensamente o Carnaval. Havia mela–mela, corso e à noite o lindo desfile dos carros- alegóricos. Tudo isso em Vitória de Santo Antão, então uma pequena cidade da Zona da Mata pernambucana.
O Carnaval tinha início no sábado, logo pela manhã. Um grupo de músicos anunciava , com um lindo toque de clarins, os quatro dias de Momo. A cidade era envolta por uma névoa de alegria indescritível. Logo à tarde, surgiam os carnavalescos com suas fantasias de simples e de rara beleza. O Carnaval era absolutamente desprovido de qualquer abadá e, portanto, nele inexistia qualquer manifestação de que se transformara numa mercadoria. Era o Carnaval, tão-somente.
De bisnaga na mão, entregávamo-nos às inofensivas brincadeiras de menino até a terça-feira. Depois de alguns dias, nos defrontávamos com uma gripe impiedosa.
Mas a quarta-feira acordava feia, triste. Eu não fazia a menor ideia do que era depressão. Recordo, contudo, que, ao ver a cidade morta, com apenas alguns bêbados retardatários caídos sobre as calçadas da Av. Mariana Amália, sentia uma tristeza profunda, uma vontade inexplicável de chorar. Para mim, o mundo havia acabado e nenhum sinal visível de alegria era divisado na paisagem urbana daquela cidade interiorana. Faltavam os carros circulando pelas ruas, com escape livre. Não se ouvia mais o som dos clarins anunciando a alegria. Não existiam pessoas à frente do “Clube O Camelo”. A praça do Livramento ficava vazia. Na esquina da Praça do Anjo via-se estacionado o que havia restado do carro-alegórico do Clube. Alguns fiéis dirigiam-se, naquele dia, para a Igreja do Livramento, a fim receber as cinzas pelas mãos santas de Pe. Renato.
Sentado no banco meio sujo da Praça e olhando uns pitassilgos que cantavam numa Sete Casuarinas, buscava entender aquele clima fúnebre que desabava sobre a cidade. Névoa acinzentada e céu nublado sobre um espaço onde outrora imperara a alegria. Vindo de uma radiola do bar A Cascatinha, ouvíamos o frevo de Nelson Ferreira, que dizia assim, no início: ” É de fazer chorar/ quando o dia amanhece e ouvir o frevo acabar…”
Hoje, adulto, gostaria de estar agora na Praça do Livramento vendo as cinzas da quarta-feira espalhadas pelas ruas e praças de Vitória de Santo. Atentamente, observaria os garis varrendo o que restou de uma folia coletiva. Tocaria no carro-alegórico , que um dia anterior obtivera tantos aplausos das famílias vitorienses. Buscaria uma bisnaga com a qual molhei meus amigos meninos , na guerra da água. Encontraria uma lança-perfume Rodoro, e tomaria um inocente porre, até sentir o tinido maluco nos ouvidos e a tonteira de cair no chão.
Tenho várias tarefas para fazer nesta Quarta-Feira de Cinzas. Sou um adulto que teria o prazer de estar ressacado, neste momento, e cantando: “É de fazer chorar… quando o dia amanhece e ouvir o frevo acabar!”
Mas sou um adulto. Resta-me a certeza da realidade e a absurda consciência do nada… “Quarta-feira sempre desce o pano”…
Sai daí drogado, lança-perfume, não sabe que é droga e é proibido não?