Registro tardio: chance de um novo nascimento

Tirar a certidão de nascimento é o primeiro passo para transformar alguém em um cidadão perante o Estado, garantindo o exercício dos seus direitos civis, políticos, econômicos e sociais. Além de trazer a nossa identidade, esse documento serve para comprovar itens como filiação e data de nascimento e é a porta de entrada para políticas e serviços públicos.

Sem a certidão, não é possível ter acesso à documentação básica, como RG e CPF e nem a programas sociais, escolas, abrir conta em banco e votar. Apesar de toda essa importância, nem todos os pais conseguem garantir a certidão aos seus filhos ainda nos primeiros meses de vida.

A coordenadora do Balcão de Direitos, órgão ligado à Secretaria Executiva de Direitos Humanos (SEDH), Marta Azevedo, cita as principais problemáticas provocadas pela ausência da certidão. “O cidadão fica privado de acessar políticas públicas e exercer a sua cidadania. No caso das crianças, aumenta a vulnerabilidade ao trabalho infantil, à exploração sexual, ao aliciamento para atividades criminosas e ao tráfico de crianças”, relata.

Marta diz qual é a importância da emissão do registro. “Mesmo que tardio, o acesso ao registro é de suma importância porque ele passa a identificar a pessoa e ela passa a ser reconhecida pelo Estado, garantindo que o indivíduo exerça os seus direitos”, completa.

A falta da certidão de nascimento é provocada, na maioria das vezes, por ausência ou distância dos cartórios dos locais de nascimento daquela pessoa. Há também o fator econômico com os custos do deslocamento e a falta de documentos e informação dos pais. “Por isso, o programa Balcão de Direitos é uma prioridade do Governo, que tem ampliado a política de acesso gratuito à documentação civil, inclusive, através de ações itinerantes em todo o Estado”, afirma Marta Azevedo.

Embora ainda pouco conhecida, a emissão do registro tardio é um dos serviços mais procurados do Balcão e dezenas de pessoas o procuram todos os anos. Em 2016, foram 120 solicitações, segundo a SEDH, e em 2017, até novembro, 71 pessoas iniciaram o procedimento. É o caso da ambulante Odete Maria da Conceição, 56 anos, moradora da Linha do Tiro, na Zona Norte do Recife.

Ela procurou o órgão depois que uma vizinha tomou conhecimento de que ela não possuía a certidão. “A minha vizinha, Dona Giselda, se interessou muito pela minha história e ligou para um amigo, que recomendou procurar os Direitos Humanos, e ela me levou lá”, contou. “Dona Giselda foi a vários cartórios para procurar a certidão negativa. Ela me ajudou bastante, foi uma mãezona para mim”, completou Odete, que levou cerca de um mês entre o início do processo e a retirada do registro.

Nascida em uma família carente de Vicência, na Mata Norte do Estado, Odete, que não sabe nem ler nem escrever, precisou registrar seu único filho, Luís Carlos, 32, no nome de sua irmã, Maria Eunice, 65. Ela saiu de casa quando tinha oito anos e, desde então, começou a trabalhar em casas de famílias, sempre sem carteira de trabalho assinada. Atualmente, vende caranguejo e caldeirada nas praias do Recife.

A mãe de Odete, Josefa Filomena, teve 12 filhos, dos quais cinco ainda estão vivos, e não conseguiu registrar nenhum deles. “Minha mãe também não tinha registro, mas quase no fim da vida, ela descobriu que tinha um papel do sindicato lá em casa que valia”, disse. Os irmãos de Odete conseguiram tirar o documento em outras iniciativas. “Em uma época de eleição, eles fizeram a certidão, mas, como eu não estava em Vicência, não consegui fazer também”, contou.

Assim que recebeu o registro tardio, Odete deu entrada nos outros documentos que nunca conseguiu tirar na vida. “Eu recebi o registro em um dia e no outro fui tirar a identidade. Foi bem rapidinho. Também tirei o cartão do SUS, mas não consegui ainda CPF nem título de eleitor”, relatou. Agora, com o registro em mãos, a ambulante conta quais os seus planos para o futuro. “Quero entrar na escola para aprender a ler e escrever, para poder ler a Bíblia e pregar a palavra de Deus”, disse, animada. “Eu tinha muita vergonha quando necessitava fazer algo e tinha que dizer que não tinha documento, mas agora isso vai mudar, com certeza”, finalizou.

Etapas
A emissão é gratuita. Quem precisa dar entrada deve fazer uma petição solicitando o documento. Essa é a primeira folha do processo do registro tardio, que será encaminhada ao cartório. Na petição, constam todos os dados do solicitante ou do responsável, caso aquele seja menor de idade. Os outros documentos necessários são uma certidão antiga (pode ser o batistério, o registro do batismo católico, por exemplo), cópia de documentos dos pais e de irmãos, declaração de duas testemunhas com firmas reconhecidas com cópias do RG e CPF, certidão negativa do cartório de registro civil da cidade onde nasceu e uma foto de corpo inteiro.

Depois do processo solicitado, as impressões digitais do requerente são colhidas e encaminhadas ao Instituto de Identificação Tavares Buril (IITB), que cruzará as informações. Em seguida, o processo é levado ao juiz da comarca onde a pessoa reside. O tempo médio para conclusão da solicitação é de dois a seis meses.

Quem deseja pedir o registro tardio deve se encaminhar ao edifício-sede do Balcão de Direitos, situado na rua Djalma Farias, 250, no bairro do Torreão, na Zona Norte do Recife. O serviço funciona de segunda a sexta-feira, das 8h às 12h e das 14h às 17h.

 

Folha de Pernambuco

Foto: Brenda Alcântara/Folha de Pernambuco

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