A dor de quem perdeu um ente querido vítima de assassinato é única e deixa marcas perenes. Em Pernambuco, metade dessas pessoas ainda são obrigadas a conviver com uma espécie de segunda morte, tão dolorosa quanto a primeira: a de não ver o crime solucionado, muito menos a punição aos eventuais culpados. O atual índice de resolução dos homicídios no Estado – entre 1 de janeiro e 5 de dezembro – é de 48,7%, o que significa que 51,3% das mortes intencionais violentas ainda não foram esclarecidas.
A pior taxa dentro dos dez anos fechados do Pacto pela Vida (2007 a 2017) foi registrada em 2008, quando apenas 37,7% dos assassinatos foram solucionados. A melhor, em 2014 (61,6%). Em 2017 – ano que marcou o recorde negativo da história de Pernambuco, com 5.426 homicídios – o índice foi de 45,2%.
Um dos crimes mais chocantes da história recente do Estado entra na estatística de não-resolução. A garota Beatriz Mota, de sete anos, foi morta com 42 facadas dentro do colégio em que estudava, em Petrolina, Sertão do Estado, no dia 10 de dezembro de 2015. Três anos, quatro delegados designados para as investigações e muitos desencontros depois, o homicídio ainda não foi esclarecido. A família da menina realiza, hoje, às 8h, um protesto que vai sair da sede do Tribunal de Justiça em direção ao Palácio do Campo das Princesas, para cobrar a resolução do caso. Outro episódio marcante envolve o cantor da banda Patusco, Dyelson Cardoso. Em novembro de 2014, então com 25 anos, ele foi encontrado morto com um tiro na nuca, em uma ribanceira no bairro de Dois Irmãos, Zona Norte do Recife. Quatro anos depois, o mistério sobre o assassinato do artista continua.
“O ideal seria que todos os homicídios fossem elucidados. É o que o Estado deve às vítimas e aos familiares”, diz a coordenadora de pesquisas do Instituto Sou da Paz, Stephanie Morin. A entidade luta pela elaboração, no plano nacional, de um indicador comum da resolução dos crimes a ser adotado pelas unidades da federação e pelo governo federal. “É preciso ter metas atingíveis e mudar práticas. Os Estados priorizam o policiamento ostensivo, que pode até fazer as pessoas se sentirem mais seguras, mas isso não significa que haverá investigação eficiente do assassinato. Tem que haver o ciclo completo”. A título de comparação, segundo a pesquisadora, os índices de resolução de homicídios nos Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha, respectivamente, são de 65%, 80% e quase 100%.
Ela conta que, durante a pesquisa para a elaboração da proposta de indicador, o instituto solicitou aos Ministérios Públicos das 27 unidades da federação os dados relativos aos inquéritos de homicídios entre janeiro de 2015 e junho de 2017. “Apenas seis Estados enviaram informações completas – Pará, Rio de Janeiro, Rondônia, São Paulo, Mato Grosso do Sul e Espírito Santo. Os demais, ou não mandaram, ou enviaram dados insuficientes”. De acordo com o instituto, Pernambuco ficou no segundo time. O ex-secretário de Segurança Pública e Defesa Social do Espírito Santo, André Garcia, explica que, em seu Estado, há um acompanhamento constante para confrontar os inquéritos instaurados com aqueles que foram enviados ao Ministério Público. “Na Delegacia da Mulher, por exemplo, chegou-se a atingir 95% de resolução”.
POLÍCIA
Para o chefe da Polícia Civil de Pernambuco, Joselito Amaral, a tendência é de aumento no número de resolução de crimes – ele espera chegar ao final deste ano com mais de 50%. Segundo Amaral, desde fevereiro de 2017, houve uma mudança na medição dos índices. “Começamos a trabalhar, para um determinado ano, com as mortes ocorridas e inquéritos remetidos naquele mesmo ano. Não que investigações de homicídios ocorridos anteriormente não sejam piorizadas, mas dessa forma obtemos um retrato mais real da situação”.
Perguntado os casos de repercussão que ficaram sem solução, o delegado destaca que a Polícia Civil também conseguiu respostas rápidas em vários crimes. Cita o assassinato da fisioterapeuta Mirella Sena, em abril de 2017, em Boa Viagem, Zona Sul do Recife. No mesmo dia, o comerciante Edvan Luiz da Silva, então com 32 anos, foi preso. “Também o episódio do assassinato da arquiteta fundadora do Eu Acho É Pouco”, diz, numa referência a Maria Alice, a Baixinha, de 74 anos, morta por um funcionário dentro da própria casa, em Olinda, em março deste ano. “Com relação aos outros casos, as investigações continuam e podem ter desfecho a qualquer momento”, completa. Já que não se pode resgatar quem se foi, a resolução do crime é o mínimo que se pode oferecer a quem ficou.
JC Online
Foto: Aldo Carneiro/Pernambuco Press