No primeiro semestre deste ano, 2.284 assassinatos foram registrados em Pernambuco, segundo dados oficiais da Secretaria de Defesa Social (SDS). Uma queda de 20,73% em relação ao mesmo período de 2017, quando houve 2.875 crimes contra a vida. Mas enquanto os homicídios caem, as mortes a esclarecer crescem e chamam a atenção dos especialistas em segurança. De janeiro a junho do ano passado, 22 pessoas foram encontradas mortas em circunstâncias desconhecidas. No mesmo período deste ano, o número saltou para 55 – aumento de 150%.
As “mortes a esclarecer”, como são classificadas pela SDS, são aquelas em que as vítimas são encontradas sem supostos sinais de violência, ou seja, quando há possibilidade de se tratar de um mal súbito ou suicídio, por exemplo. Elas não entram para as estatísticas de Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLIs). No entanto, ao final das investigações, essas mortes podem vir a ser reclassificadas como homicídio.
Para a coordenadora executiva do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop), Edna Jatobá, o aumento dos casos de mortes a esclarecer deve ser observado como um sinal de alerta. “Estranho que esse crescimento ocorra num momento em que falta transparência na divulgação dos números da violência. Os dados estão sendo sonegados à população. Lembro que no ano passado fizemos vários pedidos de informação ao Governo do Estado, mas eles alegam que os dados são confidenciais. Por exemplo: quantos policiais morreram no mês? A SDS só divulga isso em boletins trimestrais, quando os dados esfriam e não há mais espaço para questionamentos”, afirmou.
SEM PRIORIDADE
Edna Jatobá destacou ainda que as mortes sem qualificação inicial não são priorizadas pela polícia. “São investigações que provavelmente não serão investigadas ou não chegarão ao final do inquérito. Hoje, por conta da cobrança por resultados, a polícia prioriza aqueles casos que são mais fáceis e que as investigações são mais avançadas. Outro fator que chama a atenção é que se for levada em consideração a raça das vítimas, por exemplo, há poucos inquéritos de homicídios de pessoas brancas que não foram esclarecidos”, pontuou. Segundo o levantamento da Lei de Acesso à Informação, todos os casos de mortes a esclarecer são de pessoas de cor parda ou negra.
Segundo o professor e pesquisador do Departamento de Sociologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), José Luiz Ratton, a falta de informações mais precisas em relação as mortes a esclarecer gera a sensação de que há homicídios sendo ocultados pelo Governo do Estado. “Através de microdados de características das vítimas seria possível estimar se isso ocorre. É preciso verificar a natureza destes 55 casos de mortes a esclarecer, como por exemplo se houve a atividade policial envolvida”, disse Ratton, que coordena o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Criminalidade, Violência e Políticas Públicas de Segurança da UFPE.
CONTROLE
Para Ratton, é necessário que haja um controle externo das estatísticas de violência que são contabilizadas pela SDS. Só assim, é possível evitar questionamentos futuros sobre ou aumento ou redução da criminalidade. “A UFPE poderia ser uma instância de auditagem dos dados, com todos os procedimentos éticos garantindo confidencialidade e anonimato.”
O gestor do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), Guilherme Caracciolo, minimizou os questionamentos sobre o aumento de casos de mortes a esclarecer.”É importante ressaltar que o número de mortes a esclarecer em Pernambuco corresponde a uma taxa extremamente pequena. E a tendência é que esse número vá diminuindo cada vez mais, porque os inquéritos continuam sendo movimentados. Isso demonstra a transparência do trabalho realizado. Existem Estados em que o número de mortes a esclarecer é usado para esconder o número de mortes violentas”, afirmou Caracciolo.
Se todas as 55 mortes a esclarecer registradas neste ano forem posteriormente classificadas como homicídios, haverá um aumento de cerca de 1,5% no resultado final dos CVLIs.
“Havendo qualquer indício de violência, classificamos a morte como homicídio. Essa é a regra utilizada. Mas é importante esclarecer que as classificações iniciais podem, e devem, ser mudadas quando necessário. Teve um caso recente, por exemplo, que no início foi registrado como suicídio, mas que as investigações apontaram para o homicídio. Essa mudança é constante e natural”, disse o gestor do DHPP.
Ronda JC
Foto: JC Imagem/Arquivo