Aos 25 anos, Martha de Hollanda já era uma mulher impressionante, revolucionária e feminista. Isto em 1928 e morando em Vitória de Santo Antão, (a 52 km do Recife). O casamento dela com o poeta José Teixeira de Albuquerque na Igreja Matriz da cidade é notícia até hoje: trajava vestido curto sem mangas, enfeitados com detalhes em paetês. Como uma espécie de provocação, resolveu passear pelas ruas da cidade em carro sem capota e mostrar o modelo que vestia antes da cerimônia. Escandalizou.
Entrou segurando um buquê com armação de arame e gaze, todo iluminado por uma pilha escondida sob o arranjo. Florisvaldo, uma criança, era o pajem e levava as alianças. Estava quase nu, representando um cupido. “Cabelos loiros, cacheados, uma tiara de flores, com asinhas, arco e flecha”, relata a escritora Luciene Freitas, autora de Uma guerreira no tempo – Um resgate de uma época, Martha de Hollanda e Delírio do Nada (2003, edição independente).
Mas a maior ousadia de Martha foi lutar pelos direitos feministas. Conseguiu por medida judicial o direito ao voto e se tornou a primeira eleitora de Pernambuco. Em 1931 fundou a Cruzada Feminista Brasileira, com forte atuação nos anos seguintes e, em estratégia pensada, usou os jornais impressos para divulgar os pensamentos sufragistas. Foi no afã de ampliar o número de simpatizantes e consolidar os ideais junto às mulheres mais modernas da época que Martha foi além e buscou a Rádio Clube de Pernambuco, a PRA-8, como instrumento de notícias feministas. A Rádio Clube era a única emissora do Norte-Nordeste no início dos anos de 1930 e atraía importantes intelectuais.
“Segundo o Jornal Pequeno, Martha de Hollanda foi à Rádio Clube em três momentos. No primeiro, a jovem escritora fala em tom nacionalista, convocando as mulheres a lutarem por seu direito ao voto e em favor do bem-estar do país”, dizem as pesquisadoras Alcileide Cabral do Nascimento e Gilvânia Cândida da Silva, autoras de O Feminismo chega à rádio, trabalho acadêmico sobre a militância sufragista de Martha de Hollanda na Rádio Clube, publicado na Revista Cantareira, da Universidade Federal Fluminense.
“No segundo momento, de forma extremamente poética, a pernambucana mais uma vez apela para os sentimentos das mulheres. Agora, em prol da arrecadação de mantimentos para as viúvas dos mortos no conflito de Campo Grande, provavelmente fruto dos levantes civis oriundos da Revolução de 1930. Por fim, no período de comemoração do aniversário de um ano da Cruzada, a feminista vai à Rádio Clube de Pernambuco reafirmar as concepções e as demandas da associação”.
De acordo com as historiadoras, Martha compunha seus discursos de maneira erudita, com o objetivo de evidenciar sua formação e capacidade intelectuais. “É importante assinalar o caráter vanguardista do discurso de Martha de Hollanda, que, logo cedo, impulsionou-a a usar a rádio como meio de divulgação das ideias, reflexões e anseios da organização que liderava. Depois, pela coragem de professar discursos que, apesar de tudo, eram subversivos para uma época onde o lugar de fala feminino era fragilizado pelo patriarcado”, frisam no artigo.
Os discursos de Martha, líder da Cruzada Feminista Brasileira, transmitidos pela Rádio Clube foram transcritos e publicados em vários jornais. “As feministas sabiam que falavam para a classe abastada [a de detentores de transmissores], porém igualmente estavam cientes do potencial de alcance de seu discurso via rádio”, dizem as duas pesquisadoras.
Diario de Pernambuco
Foto: Arquivo Nacional