A seis meses do início oficial da campanha eleitoral, um assunto se tornou protagonista das discussões entre aqueles que estão à frente da Justiça Eleitoral e zelam pela lisura do processo democrático: a propagação das chamadas fakes news. “Esse é nosso problema maior. Já era, mas simplesmente ninguém tinha ponderado o impacto das redes sociais no processo eleitoral. Você tem que enfrentar no campo de batalha”, afirma o presidente do Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco, desembargador Luiz Carlos Figueiredo. Nesta entrevista concedida ao Diario de Pernambuco, além de destacar os desafios de vencer a velocidade da disseminação das notícias falsas na internet, o magistrado comentou sobre a tarefa de implementar a biometria em vários municípios do estado a tempo da nova eleição e as mudanças eleitorais decorrentes da minirreforma aprovada pelo Congresso Nacional no ano passado. “É um avanto, mas temos que analisar que não é da noite para o dia que há uma mudança, mas o que podemos garantir é que essa mudança é um passo adiante”.
No julgamento do ex-presidente Lula no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, o relator João Pedro Gebran Neto disse que o esquema de corrupção da Petrobras não afetou só a empresa, mas comprometeu a estabilidade democrática, uma vez que o dinheiro foi utilizado para bancar campanhas eleitorais. Que mudanças são necessárias para se evitar que o processo político-eleitoral seja contaminado?
Primeiro, é importante colocar que o código de ética da magistratura não me permite comentar casos concretos. Posso, como autor de alguns livros, criticar quem quer que seja. Como professor, dentro de uma sala de aula, baixar o sarrafo em cada um, de um ponto de vista puramente acadêmico. Enquanto magistrado, não posso fazer esse tipo de comentário. Mas, em tese, qualquer descontrole e intervenção no padrão que dizem ter acontecido evidentemente que transtorna porque todo o processo está maculado. Isso é uma constatação que, na minha visão, transcende o próprio teor da fala do desembargador. Porque todo mundo há sabe disso, há várias pessoas admitindo. Só por isso já se tem uma eleição desnaturada, porque quem teve acesso a um dinheiro diferenciado tem mais facilidade do que quem não teve. Eu, pessoalmente, não acredito que a solução de financiamento público de campanha possa resolve essa situação, porque a modificação legislativa não alcançou isso. Me parece que se não tiverem algumas cláusulas de barreira que envolvam o limite do próprio candidato, do gundo partidário, não resolveremos o problema. Creio que a mudança na legislação foi importante, mas precisa haver um limite dos próprios candidatos doarem para sua campanha, para não ser ele um canal de dinheiro que não seja dele. O TSE vai fatalmente regulamentar um limite, provavelmente o mesmo limite do doador comum, ou seja, protagonismo em excesso do Judiciário. O Judiciário não pode estar como no Brasil está hoje. Não tem escola? Vai para a Justiça. Plano de saúde caro? Justiça. O Judiciário tem que ter protagonismo, mas não nesse padrão. Estava ruim quando esse poder estava enfraquecido e está ruim agora. Isso é um padrão que é o papel do legislador, é a lei que deve estabelecer esses limites e regras do jogo.
Como o TRE está se preparando para enfrentar as Fake News?
Esse é nosso problema maior. Já o era, mas simplesmente ninguém tinha ponderado o impacto das redes sociais no processo eleitoral. Você tem que enfrentar no campo de batalha. Não é fazer de conta, enfiando a cabeça no chão, como avestruz, e como tem sido feito até agora. Talvez, o episódio da eleição nos Estados Unidos tenha sido desencadeador para o entendimento de que é um aspecto relevante. Que providências tecnológicas poderiam ser incorporadas, que seriam bastante razoáveis de serem feitas, mas transcendem a alçada dos tribunais regionais eleitorais? É um fenômeno que nesse primeiro degrau pode ser resolvido num nível macro. E é preciso que haja alguns controles que provavelmente os detentores dessas redes sociais não tenham interesse porque têm algum ganho com os impulsionamentos. Mecanismos de controle do tipo “eu não sou um robô” poderiam minimizar. Do ponto de vista local, estamos trabalhando com algumas frentes, estamos nos articulando com um eventual prestador de serviço, para termos um controle de divulgação do que é notícia boa e onde há riscos. Uma notícia veiculada em uma jornal tem boa probabilidade de ser credível, uma notícia veiculada no Facebook tem boa probabilidade de não ser. A mídia tradicional precisa ser um aliado, é um mecanismo de mão dupla. Do ponto de vista do tribunal, de prestigiar a mídia tradicional, e , da mídia, de prestifiar a função da Justiça Eleitoral. Porque precisamos levar ao conhecimento do povo o risco de se acreditar em tudo. Algumas pessoas agem de má-fé, outras recebem e saem replicando. Tem o inocente últil e tem o militante, que sabe que a informação não é verdadeira, mas é a favor daquilo que ele defende e ele replica, da mesma forma, ele sabe que a informação é verdadeira, mas contra o pensamento dele e ele não republica. Esse é incontrolável, mas se pode chegar ao inocente útil com algumas campanhas que a própria mídia, que está com seu interesse sendo defendido com isso, veicule. Que o TRE insista também e que tome providências. Nesse patamar que estamos imaginando temos uma equipe que vem acompanhando. Temos um trabalho de informática excelente, tanto é que para o cadastro único da Nação, para você ter um único documento, o bando de dados que se usa é o da Justiça Eleitoral. É o banco de dados mais conficável que se tem no país. Tem algo que me preocupa na questão das fake news. Sempre existiu, isso é um fato. Você sempre teve a ocorrência de boatos e tal, mas agora está em um patamar que é dificil de controlar. E nós estamos falando aqui de instituições, jornais e tribunais, ambos têm tempos regimentais de atuação para coibir, mas esse tempo é suficiente para reprimir? Porque acabou virando um mercado. Você tem empresas que existem para criar essas antinotícias. É um mercado inteiro girando e uma legislação que não está preparada para responder… Esse não estar pronto, ele pode influenciar as eleições de forma negativa? Tivemos aí o caso dos Estados Unidos, que contou inclusive com influência externa… foi uma escolha baseada em notícias falsas…
Há falhas na legislação?
Eu entendo o contesto, mas não analiso como uma falha de legislação. Eu tenho dúvidas se há essa falha na legislação. Para mim, é tudo uma questão de problemas operacionais. É como colocar na prática os preceitos legais. Se lei resolvesse, o Brasil era o país mais resolvido do mundo, porque o bacharelismo domina e quem tem lei até para controlar o tom de voz para dar bom dia. Segundo, que a legislação hoje, os prazos se não são uma maravilha do universo, são até razoáveis, desde que se cumpra a velha história do Brasil: “cada um cumprindo o seu dever”, isso a nível local, estadual e nacional. Nós precisamos que a rede funcione, primeira a rede da Justiça (TRE’s, TSE e juízes eleitorais). Você precisa que o Ministério Público ajuíze, você precisa que a Polícia Federal dê respostas expedidas. Mudar a lei, por si só, não resolve nada. Precisamos fazer com que se trabalhe em rede. Precisamos estabelecer um nível de civilidade no Brasil nos partidos políticos. De disputa, reconhecimento do que é democracia. Precisamos ter um respeito à democracia. Não é a mudança da lei, é vontade política de fazer.
Como evitar que políticos com problemas com a Justiça sejam candidatos?
Até então minhas colocações foram no campo da ação preventiva, agora entramos no campo das ações repressivas. É evidente que o que se tem é um volume de recursos processuais ainda muito intenso e com seu uso puramente procrastinatório. Quando surgiu a ideia da ficha limpa em 2010, o que dominava? Condenação colegiada, tchau. Mas, na realidade quando você vai ver, dentro do próprio mecanismo processual, existem inúmeras brechas. No caso concreto do julgamento do ex-presidente Lula no TRF-4 as bregas diminuíram, porque foi uma decisão unânime em tudo. Mas bastava ter duas condenações e uma absolvição, ou ainda, que duas condenações, mas com discrepâncias no tempo de pena, para abrir leques de recursos. É preciso que se pense em agilizar, mas, pior do que a criação da própria norma, está o uso abusivo delas. Talvez, se criem filtros que possam ser garantias reais para poder recorrer, que doam no bolso. Então, se quer recorrer, tenha certeza que está certo, porque se perder vai perder o dinheiro colocado ali. É preciso que existam mecanismos dessa natureza.
Como está a implantação da biometria em Pernambuco?
Já implantamos a biometria em 29 municípios, incluindo o Recife. Com o devido respeito aos municípios pequenos, representativamente o que interessa hoje é o Cabo, Camaragibe e São Lourenço, por uma série de fatores, incluindo a quantidade de eleitores. Antes da minha chegada, homologamos biometria em algumas cidades com 63% do eleitorado. O padrão ideal seria de 80% de cada município, ams temos municíos nos quais superamos em muito isso. São6,5 milhões de eleitores no estado, dos quais, 4,5 milhões já foram “biometrizados”, faltam 2 milhões que serão “biometrizados” até 2022. Somos o quarto estado qeue mais “biometrizou”. Fiz tudo o que era possível. Não é uma ocmpetição, mas estamos empenhados.
Como está o orçamento do Tribunal para as eleições?
O orçamento das eleições é do TSE, assim como a biometria. O nosso orçamento está curto. Estamos trabalhando com uma margem pequena, porque as despesas são grandes, quem vê a estrutura da Justiça Eleitoral não sabe, mas ela é capitalizada. Temos cartórios, e todas as zonas, temos funcionários, e isso implica em luz, água, telefone, rede de informática, segurança. Tudo isso tem um custo. Veja, algumas pessoas não sabem que existe Justiça Eleitoral o ano todo. Tem todo um trabalho e o dinheiro é curtíssimo. Esse é o nosso desafio: fazer o que é indispensável. Nosso produtor é captar o eleitor. O TRE tem que captar eleitor. E isso da forma mais honesta, competente e verdadeira possível. O trabalho de captar o voto é do político. Queremos igualdade de relação com o eleitor.
Diario de Pernambuco
Foto: Peu Ricardo/DP