As audiências de custódia têm sido cada vez mais criticadas por setores da segurança pública de Pernambuco. No entendimento de policiais, solturas consideradas questionáveis têm gerado esforços ainda maiores das corporações num cenário em que o efetivo é escasso e em que os números da violência são os piores dos últimos dez anos.
Casos em que uma pessoa liberada pela Justiça volta a ser presa pouco tempo depois pelo mesmo crime têm sido anunciados com alarde e em tom de reprovação em entrevistas coletivas. O exemplo mais recente foi o de um homem de 19 anos, solto numa audiência em junho, mesmo tendo confessado nove assaltos a ônibus. Ele voltou a ser detido na semana passada.
Ontem, em entrevista à TV Globo, o chefe da Polícia Civil, delegado Joselito Kehrle, e o comandante-geral da Polícia Militar, coronel Vanildo Maranhão, disseram que algumas solturas frustram os policiais envolvidos nas prisões, assim como as vítimas. “Quase metade do esforço operacional acaba na audiência”, comentou Kehrle. Eles também citaram que de cada cem presos em flagrante no Estado, 46 são soltos após as audiências, que ocorrem até 24 horas após o momento em que alguém é detido.
O programa foi implantado em Pernambuco em agosto de 2015, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Apesar das críticas das polícias sobre o número de solturas, no fim de 2016, o Estado era o segundo onde mais gente ia para a cadeia após estar na presença de um juiz (ver arte), ou seja, era onde se soltava menos gente do que em outras 25 unidades federativas. Dados fornecidos pelo Tribunal de Justiça (TJPE) indicam que, até 30 de junho de 2017, foram realizadas 8.628 audiências. Nelas, 3.421 flagrantes foram convertidos em liberdade provisória (39,65%). Em outros 5.207 casos (60,35%), foram transformadas em prisões preventivas, mais que a média brasileira (55,32%).
Representantes das policiais confirmam que alguns pontos do programa têm gerado desconforto. “Concordamos com as audiências para quem pratica crimes iniciais, e não para criminosos contumazes, como tem acontecido. Além disso, da maneira como tem sido aplicado, o programa tem sobrecarregado o efetivo, que tem uma deficiência de cinco mil pessoas. Já teve policial que passou mais de 30 horas entre seu plantão e uma audiência. Falta planejamento”, avalia o presidente do Sindicato dos Policiais Civis (Sinpol-PE), Áureo Cisneiros.
O presidente da Associação dos Militares do Estado (AME-PE), tenente Vlademir Assis, diz que o programa tem dado margem para “casos absurdos”, mas prega cautela. “Há pessoas contumazes e conhecidas no crime sendo soltas e a tropa está enxergando isso, mas não se pode chegar e dizer que a violência no Estado é culpa dessas solturas.
Trabalhamos dentro da lei e, se o Judiciário diz que há isso, temos que respeitar. Nossa visão tem que ser técnica, e não dentro dessa eterna briga de que a polícia prende e a Justiça solta”, declara.
Coordenador do Grupo de Atuação Especial na Execução Penal de Pernambuco (Gaep-PE), o promotor de Justiça Marcellus Ugiette é reconhecido pelo papel em defesa do desencarceramento responsável. Ele diz que a audiência de custódia é um “viés necessário”. “Em qualquer democracia do mundo, a prisão tem que ser convalidada pelo Judiciário. Caso contrário, não seria necessário juiz, promotor, advogado”, defende, fazendo a ressalva sobre a necessidade de ajustes. “Lá no início, recomendei a criação de uma central de acompanhamento do liberado da audiência. Hoje, ninguém sabe para onde essas pessoas vão. Também seria interessante ter um plantão 24 horas, para não segurar os policiais nesses flagrantes”, complementa.
Folha de Pernambuco