Um relatório divulgado na terça-feira (21) pela Fundação Abrinq revela que mais de um milhão de crianças entre 0 e 14 anos vivem no estado de pobreza em Pernambuco. No total, mais de 1,2 milhão de meninos e meninas encontram-se nas famílias com renda de apenas meio salário mínimo per capita (atuais R$ 468,50 por pessoa), colocando o estado no topo do ranking nordestino. “Espero que um dia consiga colocar meus filhos numa faculdade, para que possam ser gente e sair dessa miséria. A gente sobrevive aqui um dia por vez. Se não fosse a maré, não tinha de onde tirar dinheiro para alimentar as crianças” contou Joselia Lima da Paixão, 23 anos, pescadora, moradora da República do Líbano, Zona Sul do Recife.
Outras 466.863 crianças pernambucanas são classificadas como extremamente pobres vivendo em domicílios com renda de menos de 25% do salário mínimo per capita. São milhares de crianças vulneráveis que vivem sem acesso à educação, saúde, saneamento básico e que estão expostas à violência. A quarta edição do relatório “Cenário da Infância e Adolescência no Brasil” traz um compilado de dados de fontes públicas, como o IBGE e o MEC, que retratam a situação da infância brasileira.
De acordo com o documento, 17.322.983 crianças vivem em estado de pobreza no Brasil. As regiões Norte e Nordeste são as que estão em situação mais crítica com 60,6% e 54% de crianças vivendo em domicílios com meio salário mínimo por pessoa, respectivamente. Apesar dos números altos, o conceito de pobreza é amplo e mais crianças ainda podem viver em condições sub-humanas no Estado.
É o que acontece na República do Líbano, o aglomerado de palafitas que fica no Pina. A comunidade foi construída na beira do rio por pescadores. A renda das famílias vem do mar através da pesca e venda do sururu. As crianças aprendem desde cedo o ofício. Há fiações expostas e com remendos por toda parte.
O saneamento básico é um sonho. Juliana Farias, 22, mãe de dois filhos, um deles uma menina de 9 meses, lamentou. “Não posso nem colocar minha filha no chão que ela aparece doente.”
A higiene não é a única preocupação. Para andar na comunidade é necessário atenção. Há tábuas que formam uma ponte de alvenaria entre os barracos, muitas delas em falso. Essa instabilidade causou uma tragédia na família de Leidiane Gomes, 21, que perdeu um dos seus dois filhos. Leidiane se preparava para ir catar sururu quando sentiu a falta do bebê de 11 meses. O corpo da criança foi encontrado boiando perto das palafitas: escorregou entre os buracos. “Isso aconteceu porque o Estado não cuida da gente,” disse.
Para a executiva da Abrinq, Heloísa Oliveira, o número de crianças em condições de pobreza no Estado pode ser maior. “Hoje em dia, com os programas sociais do governo, como o Bolsa Família, muitas famílias até atingem uma renda mínima, mas permanecem morando em comunidades sem a menor infraestrutura, sem acesso à saúde ou educação”, analisa.
“Onde tem mais pobreza é onde há maior escassez de estrutura. Então, não podemos pensar apenas na renda. Precisamos avançar em políticas que permitam o desenvolvimento dessas crianças como todas as outras”, finalizou.
Folha de Pernambuco
Foto: Felipe Ribeiro/Folha de Pernambuco