“Estou morrendo”, repetiu duas vezes Dona Selma do Coco durante entrevista ao Jornal do Commercio, em 2013, para o caderno especial sobre os Patrimônios Vivos de Pernambuco – publicado naquele ano. “(Agradeço) o prestígio que (as pessoas) têm por mim e o valor que dão ao meu trabalho. Um muito obrigado e um ‘tchá’”, disse a cantora num trecho do vídeo (abaixo) gravado na sua casa, no Largo do Amparo, Olinda. Neste sábado, às 16h50, a ex-tapioqueira e uma das mais queridas e populares artistas pernambucanas morreu, aos 80 anos, deixando fãs, amigos e familiares sem sua simpatia e a gargalhada eternizada em canções: “Rá-rá”. Ainda não há informações sobre o velório e sepultamento da artista.
Dona Selma estava internada no Hospital Miguel Arraes, no Grande Recife, desde o dia 11 de abril, após cair no banheiro de casa ao sentir uma tontura. Ao dar entrada na unidade, além de uma fratura no fêmur, ela foi diagnosticada com uma infecção urinária (controlada pelos médicos). Segundo seus familiares, Selma também estava com um dos rins paralisado e teve um aneurisma. No dia 23, a cantora fez uma cirurgia no fêmur e, em seguida, foi para a UTI, chegando a ser entubada. No dia seguinte, apresentou melhora e recebeu visita dos parentes. Neste sábado, ela não resistiu e morreu. Selma do Coco criou 13 sobrinhos e teve apenas um filho, Zezinho, que morreu em 2010 – desde então, Selma vivia abalada.
Na conversa com o JC, há dois anos – uma das últimas entrevistas dadas pela cantora – Selma, oscilava seu humor sarcástico com respostas curtas e olhar evasivo, resumindo sua vida e contando suas lembranças com uma voz cansada, mudada pelo tempo. Por outro lado, seu olhar brilhava ao falar da vida de artista e escutar a neta mais nova, Polyana, hoje com 11 anos, cantar coco e reproduzir as conhecidas onomatopeias da avó. “Quando eu morrer, ela vai ficar com a mãe dela tomando conta do meu trabalho”, sonhava a senhora, que começou a cantar estimulada pelos pais. Nos seus shows, ela dividia o palco com os netos.
Nascida em Vitória de Santo Antão, Zona da Mata de Pernambuco, Selma Ferreira da Silva, como fora batizada, veio para o Recife aos 10 anos para morar no bairro da Mustardinha, Zona Oeste do Recife. Desconhecida até então, só saiu do anonimato quando passou a vender tapioca no Alto da Sé, em Olinda. Foi nesse reduto turístico da cidade histórica que ela conheceu figuras importantes para sua trajetória pessoal e artística. Um deles foi o músico Chico Science e a cirandeira Lia de Itamaracá – de quem se tornou amiga.
Em mais de 60 anos de carreira, Selma do Coco gravou nove discos, um DVD, fez participação em trabalhos de outros artistas e em cinco filmes pernambucanos, além de ter gravado disco na Alemanha, conhecido a Europa e feito shows no Brasil inteiro. Foi também um dos símbolos da Festa da Lavadeira, que acontecia anualmente na Praia do Paiva, Litoral Sul do Estado. E ficou conhecida por músicas como Melô da rolinha e Moreninha do dente de ouro (esta última uma referência ao seu sorriso dourado que ostentava desde os 15 anos de idade). Em 2005, Selma ganhou o título de Patrimônio Vivo de Pernambuco, dado pelo Governo do Estado. Orgulhosa de seu trabalho e apaixonada pelo ofício de coquista, ela decorava e lembrava com honra de todas as histórias que viveu e do reconhecimento que ganhou aqui, no Brasil e até fora do País. “Morre quem canta, mas a cultura num morre nunca”, dizia Selma.
Embora não gostasse de dar entrevistas (“Estou gostando de dar entrevista a vocês porque eu gostei de vocês”, confessou a cantora), Dona Selma fez da conversa uma volta ao seu passado e também um desabafo sobre o futuro e os sonhos que tinha. Em casa, numa sala em que guardava discos, títulos, troféus e recordações, ela queria transformar em um pequeno museu, que morreu sem realizar. No entanto, deixou como legado para o Estado sua música e, principalmente, o amor por nossa cultura. E isso, nem o tempo apaga. A Dona Selma, o nosso muito obrigado e um “tchá”. E como dizia ela, a Rainha do Coco: Rá-rá.