Receitas com o cereal e outros ingredientes como a mandioca roubam a cena neste período do ano e mantêm relacionamento íntimo com as mãos que os preparam em Pernambuco
Foto: Arthur de Souza/Esp. DP/D.A Press |
Diario de Pernambuco
Quem, assim como eu, se acostumou a ver o caldeirão cheio de uma pasta amarela, doce, com perfume de coco, cozida por horas a fio, e mexida com a ‘sagrada’ colher de pau da vovó, sabe que o mês de junho, para nós pernambucanos, tem sentido especial. A época do ano, em que a zabumba, a sanfona e o triângulo formam uma tríade musical do forró, é também o momento no qual o milho reina, quase que absoluto, na nossa mesa. Pamonhas, canjicas, pés-de-moleque, bolos de milho, Souza Leão, de macaxeira, são estrelas de uma comilança afetiva, que parece não ter fim…
Cultivado na América, em países como México, Equador e Bolívia, há pelo menos sete mil anos, o milho era considerado alimento básico pelas civilizações pré-colombianas: Maias, Astecas e Incas. Tem sentido de “sustento da vida”, da nomenclatura de origem caribenha. No Brasil, só viria a ‘fincar raízes’ a partir da colonização, no século 16. E, nesse sentido, foi somando-se à técnica da doçaria portuguesa e às iguarias naturalmente africanas como o coco, que deu origem aos quitutes consagrados no período junino.
O fato é que a doçaria ‘luso-pernambucana’, na qual estão inseridas as receitas dessa época, sempre estiveram atreladas à afetividade demonstrada pelo espírito feminino desde sua origem. Não à toa, o sociólogo Gilberto Freyre e o folclorista Câmara Cascudo legam às mulheres a consolidação de uma dulcíssima cultura gastronômica brasileira. “O legítimo doce ou quitute de tabuleiro foi o das negras forras. O das negras doceiras. Doce feito ou preparado por elas”, comenta Gilberto Freyre em suas obras Açúcar (1939) e Casa Grande & Senzala (1933). Quem compartilha a opinião do Mestre de Apipucos é a antropóloga francesa Claude Lépine, no seu Cozinha e dieta alimentar na obra de Gilberto Freyre (2003), que se refere ao doce como elemento indissociável da ideia de ternura, associada à mulher, em especial, na mente brasileira.
De olho nessa perspectiva, elencamos personagens pernambucanos que fazem jus ao apreço e paciência necessários à perpetuação dessas delícias de matriz secular. Marmanjos que me desculpem, mas esse reinado é delas…
Versatilidade do milho
Chef Tânia Bastos prepara bolo de milho verde, receita vencedora em concursos de culinária |
“Doce é coisa para mulher, tem conotação feminina, embora os homens, de vez em quando, se deixem também seduzir”, afirma Claude Lépine, no livro Cozinha e dieta alimentar na obra de Gilberto Freyre (2003). Uma das que honram a declaração da pesquisadora é a cozinheira e professora do Senac-PE, Tânia Bastos. Baiana, há doze anos no Recife, foi premiada em março deste ano no Baker Top, concurso realizado pela paulista Padaria 2000, com um preparo que é um brinde à regionalidade típica da terra dos altos coqueiros. De paladar suave e textura marcante, conseguida por meio da combinação de um purê de milho com a canela e toque de vinho do Porto, o bolo de rolo de milho verde conjuga o sabor da iguaria pernambucana com o dos quitutes preparados com um símbolo do São João.
Da Paraíba
Numa das ruas do Complexo de Salgadinho a culinária do milho ganha realce. Foi da Penha, em João Pessoa (PB), que dona Beatriz da Silva, 58 anos, trouxe, há cerca de dez anos, os segredos familiares da preparação das pamonhas, canjicas e outras receitas que fazem a cabeça dos clientes do Delícias da Vovó — parada obrigatória, em Olinda, de quem aprecia uma boa comida junina. Ao lado das filhas, Ladjane, 34; Sirlane, 40 e Jeisa da Silva, 36, ela dá continuidade ao legado adquirido ao longo do trabalho em casas de família, ainda no município paraibano. “Recebemos encomendas o ano todo, mas, nessa época, tudo fica mais movimentado. Começamos a fazer essas comidas para ajudar no orçamento de casa. Hoje, são a nossa vida”, comenta Ladjane, que largou o curso de enfermagem. Ela acrescenta que os interessados em fazer encomendas devem solicitar com pelo menos um dia de antecedência e retirar os quitutes na Cidade Alta.
Na palma da mão
Quem também se rendeu à arte culinária a propósito das comidas juninas, foi a cozinheira jaboatanense Palmira Martins. Profissional de telemarketing, nos momentos em que não está à frente do fogão de casa, em Sucupira, ela prepara junto à cunhada Marize Damasceno, as deliciosas trufas de milho verde e milho verde com coco. As trufas são comercializadas pela dupla durante o ano inteiro, e são disponibilizadas em outros sabores como chocolate e prestígio. A receita é uma releitura do “beijinho”, somado ao milho. Passado no liquidificador e cozido como se fosse um brigadeiro, a ponto de soltar da panela. “Sempre gostei de doces. Aprendi com Marize a receita, e hoje já a executo sozinha”, comenta Palmira que se dedicar somente à gastronomia em breve.A parceria das duas tem clientes fixos de Norte a Sul do Recife. As trufas custam em média R$ 2. Encomendas: (81) 8433-0389.
Trufas ganham recheio de milho verde e milho verde e coco, numa releitura do beijinho |
Arraial no shopping
Versatilidade nunca foi tão levada a sério pela empresária e cozinheira Carlota Aymar. À frente do quiosque Arte do Milho, no Shopping RioMar, ela integra no portfólio da empresa, além das tradicionais pamonhas, canjicas e bolos, opções para quem tem intolerância a glúten (celíacos), alternativas diet e com sabores salgados de pamonhas. “O segredo da comida junina é respeitar as etapas do preparo, que as pessoas tendem a pular, por acharem exaustivo”, declara, Aymar, que pretende instituir a canjica como Patrimônio Cultural e Material Pernambucano. Ticket médio: R$ 5 e horário: das 9h às 23h. (Weslley Leal)
Serviço
Delícias da Vovó
Endereço: Rua São Luís, 253 – Salgadinho, Olinda (próximo ao Centro de Convenções)
Informações: (81) 8549-8979
Arte do Milho
Endereço: Shopping RioMar — Av. República do Líbano, 251 – Pina (fica no térreo, na entrada central)
Informações: (81) 9513-7162
Receitas>>Bolo de rolo de milho verde por Tânia Bastos
Trufa de milho por Palmira Martins
Ingredientes:
Casca: 1 barra de chocolate ao leite
Recheio: 1 lata de milho (escorrido e lavado)
1 lata de leite condensado
2 colheres de sopa de amido de milho
Modo de preparo:
Casca: derreta o chocolate em banho-maria, coloque em formas próprias para trufas, e leve à geladeira (de preferência no congelador) para endurecer. Depois, pegue o molde das trufas, acrescente o recheio, e feche com o chocolate derretido (meia colher de sopa), volte o recipiente à geladeira para endurecer a cobertura das trufas.
Recheio: Bata bem o milho e o leite condensado no liquidificador, até tornar uma mistura homogênea. Leve ao fogo baixo, mexa bem, por aproximadamente dois minutos, e acrescente o amido de milho aos poucos. Quando ficar consistente, a ponto de soltar da panela, está no ponto, para rechear as trufas.
Fique de olho
– Apesar de saborosas, as comidas juninas são ricas em carboidratos e gorduras, o que as tornam alimentos energéticos, mas que quando consumidos em excesso podem ser prejudiciais a nossa saúde. O segredo para driblar isso e os quilinhos a mais na balança, é, como sempre, moderação.
– O milho é rico em vitaminas E, A e B1, além de sais minerais (fósforo, cálcio e potássio), que são essenciais para o funcionamento do organismo, mas devem ser consumidos sem excesso.
– Uma boa opção para compensar as calorias do creme de leite e leite condensado empregados no preparo dos quitutes juninos é substituir as versões normais pelas diet e light. Assim como trocar o leite integral por desnatado ou de soja, e diminuiur as quantidades de açúcar e gorduras utilizadas nas preparações.
– O amendoim, componente de bolos como o pé-de-moleque, tem alto valor nutritivo. Com grande quantidade de vitamina E, fibras, proteínas e antioxidantes, seu consumo diário é extremamente benéfico à saúde, desde que ingerido em quantidades de até 40g. A oleoginosa auxilia na redução de peso corporal, gordura abdominal e proporciona uma maior saciedade, além de prevenir o câncer, doenças cardiovasculares e Mal de Alzheimer.