Natal é comemoração que independe do credo

Religiões convivem bem com a data, mas como período de confraternização

O sincretismo religioso é uma das características mais marcantes da cultura brasileira. Elementos de uma religião acabam respingando na outra, em um constante processo de intercâmbio quase sempre involuntário (e não necessariamente livre de atritos). No Brasil, as religiões cristãs reúnem a maior quantidade de adeptos e, devido ao fato do catolicismo ter sido a religião oficial do País por vários séculos, muitos de seus ritos tornaram-se também hábitos culturais, como acontece com o Natal. E, apesar de não a comemorarem a data, outras religiões convivem bem com a data, celebrando-a sem uma conotação de fé, mas como um período de confraternização.

Para os católicos, o Natal, como data religiosa, marca um dos períodos mais importantes do ano: o Nascimento de Jesus. No entanto, a influência do comércio (não é Natal se não tem troca de presentes), por vezes, ofusca toda simbologia da comemoração. Presépios têm sido menos vistos, sendo substituídos por um imagético marcado por figuras como Papai Noel. Hoje, mais do que a ceia e a reunião de família e amigos, a característica mais forte é o consumo justificado pelas boas intenções.

Mas não é porque o Natal virou um aquecedor da economia que o espírito natalino original (a comunhão entre as pessoas) esfriou. Partilhar momentos com quem se ama independe de religião ou data do ano. No Sítio do Pai Adão, maior comunidade afro-descentende de Pernambuco, por exemplo, há a comemoração do Natal, ainda que desprovida do sentido religioso. É o que explica o babalorixá Manoel Papai.
“O candomblé, de forma geral, ainda é muito influenciado pelo catolicismo. No Brasil, a cultura africana está dentro da Igreja, e a Igreja está dentro dos terreiros”, afirma. Segundo ele, o candomblé ortodoxo não celebra o Natal, mas, justamente por essas influências culturais, o rito católico acaba se manifestando, em maior ou menor escala, nos seus praticantes. “No dia 24 de dezembro, nós comemoramos o aniversário do orixá Olofin. Na festa, confraternizamos, há muita música, comida, enfim, é uma celebração”, completa.
Já o islamismo reconhece Jesus enquanto profeta, assim como Maomé, mas o Natal não faz parte das comemorações da religião, como explica o Sheiki Mabrouk, do Centro Islâmico do Recife. “Nós, muçulmanos, estamos sempre abertos ao diálogo. Apesar de não celebrarmos o Natal, se nossos amigos cristãos nos convidam para celebrar com eles, nós vamos sem problemas, do mesmo jeito que eles vêm às nossas festividades”, explica.
Segundo Mabrouk, a maioria dos muçulmanos brasileiros são originários de famílias cristãs. É o caso do auxiliar técnico Alberto Bret. Convertido há oito anos ao islamismo, ele ainda hoje passa o Natal com sua família. Apesar dele não partilhar mais dos símbolos que a data representa, ele afirma que é um momento de confraternização com seus entes queridos. “Muita gente vê o islamismo como uma religião muito fechada, mas nossa religião é baseada na amizade e no amor. Então, para nós é muito importante respeitar o outro e confraternizar com o outro”, pontua.
Situação semelhante à de Alberto é vivenciada pela acupunturista Leila Massière, que aderiu ao budismo há dois anos. O Natal continua sendo uma festa forte para ela e sua família. “O Natal tem um espírito religioso muito forte, mas que vem perdendo seu significado por conta do consumo. Hoje, Papai Noel é um símbolo mais forte do que Jesus, e as pessoas acabam esquecendo que a data é uma celebração de aniversário, e não do consumo”, afirma.
Leila conta que sempre teve uma forte ligação com a espiritualidade e que, para ela, o período natalino é o momento de vivenciar o amor junto à sua família. “O Natal também é importante para os budistas porque Jesus é considerado uma emanação do Buda. Para nossa religião, a vida não é uma luta, mas uma celebração. Para mim, o Natal é um dia especial porque é um dia no qual a gente olha com mais amor para o outro. Bom seria se esse espírito pudesse ser vivido todos os dias”, pontua.
Fora do calendário
Candomblé
Segundo o babalorixá Manoel Papai, entre os eventos mais importantes do candomblé está a festa de Iemanjá, que geralmente acontece no dia 2 de fevereiro (alguns terreiros, no entanto, comemoram em outras datas). Nela, são jogadas flores e oferendas para a Rainha do Mar. Ele também aponta para a influência do Candomblé na cultura brasileira. O hábito de vestir branco e jogar oferendas no mar, na virada do ano, por exemplo, têm origem na religião afrobrasileira.
Islamismo
Os muçulmanos dividem-se em dois grupos: sunitas e xiitas. Segundo o Sheiki Mabrouk, os xiitas possuem mais ritos comemorativos, enquanto os sunitas têm apenas cinco dias festivos no ano – a festa do Sacrifício, realizada no último mês do calendário lunar muçulmano, e a Eid ul-Fitr, que marca o fim do jejum do Ramadã. A primeira dura quatro dias e sucede a peregrinação à Meca, local sagrado para os muçulmanos. Nela, há troca de presentes e é comum a divisão de comida entre familiares e com o pobres.
Judaísmo
Como explica a Coordenadora do Arquivo Histórico da Sinagoga Kahal Zur Israel, do Recife, os judeus não comemoram o Natal enquanto rito religioso, mas, por estarem presentes em muitos países de tradição cristã, muitas vezes confraternizam com os praticantes do cristianismo. No judaísmo, os dois principais eventos religiosos são a Páscoa e o Chanucá (ou festa das Luzes). “O Chanucá tem um significado forte para o povo judeu, porque marca a libertação em relação ao subjugo dos gregos, assim como o milagre que aconteceu em Jerusalém, quando o azeite queimou por oito dias no candelabro do Templo de Jerusalém”, explica. Em referência a isso, na festa costuma-se cozinhar muitos alimentos fritos.
Da Folha PE