Psicanálise

Crônica vitoriense Manuel de Holanda Cavalcanti.

   A Psiquiatria resolveu devassar a subconsciente e, dessa pesquisa, resultou a Psicanálise, cujo inventor foi Sigismundo Freud, famoso neurologista austríaco. Não é minguado número de cientistas que se opõem às teorias freudeanas, no atribuir os fenômenos psíquicos a imperativos de ordem sexual. Fora desse ponto de vista, porém, é Freud, sem nenhuma dúvida, universalmente acatado.

  Sua teoria, calcada em grande parte das moléstias, nos adultos, provém de conflitos emocionais, sem satifastória solução, situadas em remota fase da existência, teve enorme ressonância, no mundo científico, que lhe ofereceu apoio decisio. Não pensem os entendidos no assunto, que vou aqui tratar da matéria que, no meu modo de ver e sentir, escapa à apreciação dos elogios, a menos que queiram estes correr risco de desastrado salto nas trevas.

  O que não pode fugir à evidência é que a questão, em parte, se escrava na faixa em que se situam as coisas de caráter hipotético. Meu objetivo, ao arquitetar este artigo, à guisa de colaboração é relatar certa historieta, que se me deparou numa revista espanhola, na qual quis renomado médico austríaco, desagravar o afamado Psiquiatra, de acerbas críticas, que lhe fizera o Doutor Togliatti, médico italiano, com consultório na cidade de Johennsburg, África do Sul, considerando algumas obras de Freud, como verdadeiro amontoado de incongruências e erros palmares.

  Quis o defensor do pai da Psicanálise, com a pequena estória, que imaginou, talvez vinculada a algum fato real, na vida de Togliatti, demonstrar que, se o Mestre alguma vez errou, não só estava só, nessa desvirtude, por isso mesmo que era de considerar-se um mito a certa vez discutida infalibilidade humana. Excluindo dessa narrativa as objeções oferecidas em linguagem transparente  aos ostensivos ataques do médico italiano, narremos a pequena estória:

  Estava Togliatti, em seu consultório, quando lhe apresentam um consulente e seu irmão:

 – Que querem os senhores?

– Trago-lhe aqui, Doutor, este meu irmão, que, há duas semanas, encontra-se apavorado com um jacaré que diz ver debaixo da cama.

– Isso certamente foi coisa que ele viu em criança, num rio, açude, no cinema, em revistas ou jornais.

– Naturalmente guardou o que viu e o impressionou, no subconsciente e, agora a imagem do animal invade-lhe a mentalidade consciente, dando lugar a essas anomalias psíquicas.
 Vou lhe receitar uma droga para lhe tonificar o cérebro e os nervos, e, dentro de oito dias, voltem cá, para um novo exame.

 Passado três dias, porém, recebe uma chamada telefônica.

– Quem fala?
– Aqui é o irmão do doente que tinha, no dizer do senhor, a obsessão do jacaré.
– Bem. E como vai ele?
– Morreu.
– Morreu? De que?
– O jacaré comeu. O bicho estava de fato debaixo da cama.

  Quis assim, o defensor de Freud, ao mesmo tempo em que o defendia demonstrar, nessa ficção, que o engano e o erro são coisas inarredáveis do eternamente frágil barro humano.




Crônica extraída do livro: O Sobrado de Seu Miro e Outras Crônicas.