Mais que a seca, cana-de-açúcar enfrenta falta de incentivo para mercado crescer

Em segundo lugar no Nordeste, Pernambuco observa produção de cana encolher ano após ano e Paraíba superar o estado na produção de etanol

Pernambuco recebe investimentos diversos na cana, como a Vetrel, que produz bioderivados em Vitória de Santo Antão

Quem põe açúcar no café ou consome bebidas alcoólicas pouco para e pensa de onde vem esses produtos, muito menos no trabalho que dá entregá-los ao consumidor final. Para se ter uma ideia, apenas na safra 2014 de cana-de-açúcar, medida entre a colheita, em setembro do ano anterior, e abril deste ano, cerca de 15,1 milhões de toneladas foram esmagadas em Pernambuco. Apesar do número ser alto, a soma não chega a ser das maiores na média histórica, uma vez que o estado ainda enfrenta grandes problemas decorrente da forte estiagem que atinge o Nordeste há quase três anos. No entanto, é o suficiente para garantir a vice-liderança de cultivo do vegetal em todo o Nordeste, atrás apenas de Alagoas.


Este ano, espera-se a produção de 1,2 milhão de toneladas de açúcar e 260 milhões de litros de etanol, margem levemente inferior ao do ano anterior, ainda que mais cana seja moída. Isso se dá justamente pelo fato da seca ter afetado a maturidade da cana, prejudicando o rendimento industrial. A contrapartida vem do governo federal que investiu no setor sucroalcooleiro, pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), em 2013, cerca de R$ 6,9 bilhões, em todo o país, frente os R$ 4,2 bilhões de 2012, quando a seca mais violenta dos últimos 50 anos, de fato, teve início. 

Apesar do investimento, os resultados de Pernambuco passam longe do melhor ano da série histórica recente. Em 2008, foram moídas 19,77 milhões de toneladas de cana, produzindo 1,68 tonelada de açúcar e 513 milhões de litros de etanol. É justamente essa redução produtiva que vem justificando a importação de etanol derivado de milho, importado dos Estados Unidos. Nestes quatro primeiros meses do ano, serão pelo menos 80 milhões de litros do biocombustível trazidos de fora para abastecer o Nordeste e também a região Norte. “É uma medida que apresenta grave distorção. Enquanto a lei obriga produtores a terem estoques, sem poder vender, permite o comércio com produtores estrangeiros durante período de plena safra”, critica o presidente do Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool em Pernambuco, Sindaçúcar, Renato Cunha. “Mas somos nós que promovemos ‘a interiorização do desenvolvimento’”, completa.

Bagaço – Apesar do foco do estado continuar sendo a produção de açúcar e etanol, é possível pensar num mercado latente, que pode gerar ganhos mesmo após o esmagamento da cana, com o que viraria lixo. O briquete (blocos formados por sobras vegetais prensadas) do bagaço da cana ainda não encontrou espaço relevante em Pernambuco, mas já é amplamente utilizado em São Paulo, em restaurantes que utilizam fornos a lenha. Por aqui, estabelecimentos começaram a utilizar o modelo de “forno ecológico” desde 2010. Um deles, a Pizzaria Barazzone, realizou o investimento em 2012, mas hoje, apesar do modelo sustentável ser mantido, o material da cana vem perdendo espaço para o briquete da serragem de madeiras diversas. “A questão, em si, é o rendimento. O material a partir do bagaço é apenas um pouco mais barato e queima mais rápido. Financeiramente, acaba não compensando e a redução do impacto ambiental, quando comparado com o forno a gás, é mantida”, explica a gerente administrativa Emanoelle Silveira.


Trocando em miúdos, o quilo do briquete de madeira reaproveitada custa R$ 0,55 e é necessário meio saco para manter a autonomia do forno por três horas. O saco do originado pelo bagaço da cana-de-açúcar custa R$ 0,45, mas precisa-se de um saco e meio para manter a produção por quatro horas. Nesse caso, apenas um incentivo por parte do estado – ou a própria regulação do mercado, ainda não disseminado – poderia tornar o produto mais competitivo e a cadeia, ainda mais produtiva – e rentável -, da colheita ao “descarte”.

Incentivo – Mas não é apenas no cenário do reaproveitamento que as notícias podem desanimar o produtor. De 2011 para 2014, o preço da saca de 50 kg de açúcar caiu de R$ 70,79 para R$ 50,00. Simultaneamente, o etanol, em todo o país, vem perdendo espaço para a gasolina. Justamente por isso, o mercado fica cada vez mais dependente da subvenção federal de R$ 12 por tonelada produzida, longe de ser suficiente para dar dinamismo ao setor. 

O que pode alterar essa realidade são as promessas de mudança no campo produtivo de combustíveis. No fim de junho, o ministro-chefe da Casa Civil da Presidência da República, Aloizio Mercadante, sinalizou que há intenção do governo em atender o pleito do setor sucrooalcoleiro, em elevar de 25 para 27,5% de etanol anidro na composição da gasolina, mas a definição depende da conclusão de um estudo que atestará se os veículos comportam a ampliação da mistura. Segundo a Casa Civil, o estudo está sendo realizado pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) e pelo Centro de Pesquisa da Petrobras e deve ficar pronto até agosto deste ano.

O futuro da cana em Pernambuco, cuja tradição no setor data da época das Capitanias Hereditárias, hoje depende de situações que vão além da iniciativa do produtores. De um lado, por conta dos “homens da lei”, caso resolvam alterar a atual lógica do mercado de combustíveis, o que abriria mais margem de mercado para o setor. De outro, dos céus, em não prolongar uma estiagem durante o período de cultivo, cujos efeitos são ainda mais duradouros que a esperança dos produtores, mesmo quando a chuva teima em não aparecer.

Informações do Diario de Pernambuco