Adeus a Abelardo: os cinco desejos nunca realizados do artista plástico

Alguns pareciam distantes e utópicos, como o fim da miséria no Brasil, outros estavam perto da realização.

Em 2004, quando o Viver publicou uma matéria especial em homenagem aos 80 anos de Abelardo da Hora, o artista – que faleceu na manhã desta terça-feira, aos 90 anos – pretendia lançar um livro sobre sua trajetória e realizar uma mostra retrospectiva de sua obra. Uma década depois, o Viver revisitou a “lista de desejos” de Abelardo, quando ele celebrou, em julho passado, 90 anos. O livro já tinha sido publicado em 2005, com pesquisa e textos do escritor Weydson Barros Leal (já havia um livro de 1988, organizado por Paulo Bruscky, intitulado Abelardo de todas as horas).


A partir de 2009, a exposição percorreu cinco capitais do Brasil (São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, João Pessoa e Recife), com 160 peças e 15 toneladas de estátuas (incluindo reproduções dos monumentos espalhados pelo Recife). Abelardo tinha, no entanto, desejos novos, que se juntavam aos antigos ainda não realizados. Alguns pareciam distantes e utópicos, como o fim da miséria no Brasil, outros estavam perto da realização, como a reconstrução de duas esculturas destruídas há 50 anos pela ditadura militar no Brasil. Confira quais eram.


1- Amor e solidariedade na Europa

Amor e solidariedade foi o título da exposição de Abelardo da Hora que circulou pelo Brasil. O artista deseja levar todas as obras para museus da Europa, mas esse projeto tem sido adiado a cada ano, por motivos econômicos, como a própria crise europeia. As esculturas e gravuras passariam por Florença (Itália), Paris (França), Frankfurt (Alemanha) e Bruxelas (Bélgica), onde espaços expositivos já estariam garantidos. Por causa do peso, as peças atravessariam o Atlântico de navio.


2- Reconstrução de obras censuradas na ditadura

Torre destruída pela ditadura (Arquivo/ DP/ D.A.Press)
Em 1964, Abelardo chegou a ser preso, sob acusação de ter ligações com o comunismo e por ter sido aliado do recém-deposto governador Miguel Arraes. No mesmo ano, duas esculturas do artista foram destruídas pelos militares logo após o golpe. Uma delas era um monumento em homenagem às Ligas Camponesas, erguida no Engenho Galileia (Vitória de Santo Antão). A outra era uma torre de iluminação metálica, com 12 metros de altura, feita com peças que se moviam com o vento. Ela não tinha significados políticos explícitos, mas foi derrubada por supostamente esconder mensagens secretas que contrariavam a ideologia do regime.


Foram queimados ainda 500 exemplares de seu álbum de gravuras Meninos do Recife (a tiragem total era de 1 mil exemplares). A família pretende reconstruir as duas peças em praça pública. A torre deve ser erguida, com apoio da Prefeitura do Recife, até o fim de 2014. A estátua em homenagem aos camponeses ainda depende de negociações, mas uma réplica da obra já foi localizada em São Paulo, no acervo da Fundação Lina Bo e Pietro Maria Bardi.

3- Inauguração do Instituto Abelardo da Hora

Quem passa pela Rua Bispo Cardoso Ayres, no Centro do Recife (bairro da Soledade), já deve estar acostumado a ver um muro com o anúncio do Instituto Abelardo da Hora. A família do artista tenta construir o espaço cultural há dez anos, mas não conseguiu tirar o projeto do papel por falta de patrocínios. “Precisaríamos do apoio de alguma grande companhia nacional. O apoio que as empresas de Pernambuco oferecem não é suficiente para a construção do prédio”, lamentou Abelardo da Hora Filho.


O Instituto não serviria apenas para mostrar as obras do artista permanentemente, pois também teria a função de preservar o conjunto de sua obra, apresentar exposições de convidados e oferecer formação para aprendizes de arte (sobretudo para jovens das redondezas, de bairros como Santo Amaro). A planta arquitetônica, elaborada pelo escritório de Carlos Augusto Lira (assinada por Manoela Muniz Machado e Pedro Lira), chegou a ser premiada na Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo em 2006.


4- Construção de monumento nos arrecifes

Abelardo da Hora elaborou um projeto de monumento que podia ser construído nos arrecifes que formam um dique entre a Bacia do Pina e o Oceano Atlântico, no trecho entre Brasília Teimosa e o restaurante Casa de Banhos (ao norte do Parque das Esculturas de Francisco Brennand). Seria uma espécie de farol, com 12 metros de altura. Uma maquete já foi confeccionada pela equipe do artista.


5- Fim da miséria no Brasil

O fim da miséria no Brasil era o maior sonho de Abelardo da Hora. Temáticas sociais sempre estiveram presentes em sua obra. A escultura A fome e o brado (1948), por exemplo, chegou a ser levada à Europa. “Eu tenho uma série de trabalhos sobre esse tema, mas o povo brasileiro continua sofrendo”, desabafou o artista, cuja série Meninos do Recife (1962) continua atual. Mesmo assim, ele ainda elogiou a atuação de Luís Inácio Lula da Silva na Presidência da República, com o monumento aos emigrantes erguido no Parque Dona Lindu: “Foi o melhor presidente que tivemos”.

Diario de Pernambuco