O precioso legado deixado por Zezinho de Tracunhaém

O barro enquanto metáfora da criação, de onde vida e a beleza são esculpidas, pode ser usado sem medo para pensar a trajetória de José Joaquim da Silva. Nascido em Vitória de Santo Antão, em 1939, ele fez de Tracunhaém casa e ateliê, incorporando a cidade ao seu sobrenome artístico, e da argila a matéria-prima de suas esculturas. Na noite da última quarta-feira (4), Zezinho de Tracunhaém, como ficou nacionalmente conhecido, faleceu aos 80 anos, em decorrência de uma parada cardíaca provocada por uma infecção generalizada, no Hospital Pelópidas Silveira, no Recife, onde estava internado. Ele deixa um legado robusto para a arte pernambucana.

A trajetória de Zezinho de Tracunhaém se confunde com a de muitos pernambucanos nascidos na ponta desprivilegiada do rígido sistema desigual do Brasil. Desde cedo, precisou se desdobrar em uma série de trabalhos, como agricultor, barbeiro, pedreiro e cortador de cana. No início dos anos 1960, ainda na casa dos vinte anos, se mudou para Tracunhaém e começou a aprender um novo ofício, o de artesão. Seus primeiros esforços foram inspirados na observação do trabalho de Lídia Vieira, durante visitas à cidade.

Com a arte, transformou sua trajetória e a dos seus descendentes, que foram ensinados desde cedo o ofício do artesanato, vários deles seguindo os passos do patriarca. Seus trabalhos representavam figuras encontradas no seu entorno, de sua cultura, mas Zezinho ficou especialmente conhecido por suas representações de símbolos religiosos. Ao longo dos anos, tornou-se tamanho símbolo da cultura local que em 2002 recebeu o título de cidadão de Tracunhaém e, em 2007, o de Patrimônio Vivo de Pernambuco, reconhecimento que era motivo de orgulho.

“Sou Zezinho de Tracunhaém, sou Patrimônio vivo… e vivo feliz”, se apresentou, emocionado, ao repórter Mateus Araújo em 2014, quando foi um dos personagens do especial do JC com patrimônios do Estado. Para o arquiteto e colecionador de cultura popular Carlos Augusto Lira, o trabalho de Zezinho de Tracunhaém era marcado por sensibilidade e por algumas características únicas, como a dimensão de seus santos.

“Cada artista tem uma mão diferente, que exprime o que carrega dentro da cabeça e do coração. Não dá para comparar os trabalhos de Nuca e Zezinho, por exemplo, são totalmente diferentes. Zezinho teve uma coisa que foi distinta de muitos, que eram os santos em escala maior. Foi o santeiro que trabalhou com uma escala maior, quase no tamanho natural. O que, vale ressaltar, é muito complicado porque o barro é delicado e você tem que ter um forno grande para queimar”, pontua Carlos Augusto.

Em sua coleção, o arquiteto tem algumas peças de Zezinho, artista com o qual teve contato ainda na década de 1970 e por quem nutria admiração. A primeira vez em que se deparou com o trabalho do artista foi através do livro O Reinado da Lua: Escultores Populares do Nordeste, de Silvia Rodrigues Coimbra, Flávia Martins e Maria Leticia Duarte.

“Sempre gostei de ir diretamente até os artistas. Zezinho era um homem muito afável, doce e com muita consciência de seu trabalho. Suas obras são específicas e tenho peças raras e lindas dele, como um ex-voto”, lembra. Carlos Augusto contou ainda ao JC que quando a Fenearte aconteceu, em julho, perguntou por Zezinho e soube por seu filho que ele estava doente. Só soube semana passada, porém, que o mestre estava na UTI. A notícia lhe foi dada após ele sugerir que, no próximo ano, Zezinho e outros mestres do barro sejam homenageados na feira.

LUTO

A morte de Zezinho de Tracunhaém foi recebida com pesar pelo meio artístico e político. O governador Paulo Câmara chamou o artista de “um dos maiores mestres ceramistas da nossa terra, com obras reconhecidas nacionalmente”.

O presidente da Fundarpe, Marcelo Canuto, em nome da fundação e da Secult-PE, enfatizou a genialidade dos trabalhos de Zezinho e reforçou o compromisso com a preservação e perpetuação de seu legado.

JC Online

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