Centenário de Arraes: de menino tímido que brincava com ossos de boi, a “Pai Arraia” do povo pobre

“Esse menino é sério demais. Um dia ele vai ser gente”. Não sabia a avó Ana Alexindrina, chamada carinhosamente de Cadinha, que como “gente” Miguel Arraes se transformaria em uma das maiores lideranças políticas do Brasil, tendo o centenário do nascimento comemorado exatamente nesta quinta-feira (15). Como recorda a biógrafa Tereza Rozowykwiat, o menino de jeito fechado, de pouca conversa, que brincava com ossos de boi, foi um adulto das massas, dos pobres, de quem se via desassistido pela presença do Estado. Ou simplesmente da “poeira’, como ficaram conhecidos os eleitores que deram a ele, pela primeira vez em 1962, o governo de Pernambuco. “Foi esse o meu primeiro voto”, recorda o senador Cristovam Buarque (PPS-DF). Com dois anos de eleito seria retirado pelos militares.

Arraes do Chapéu de Palha; da eletrificação do campo, levando luz para a Zona Rural; da Vaca na Corda, que financiava a compra do animal; do Movimento de Cultura Popular (MCP), produzindo atividades culturais para a periferia; do exílio, após em 1964 ter sido tirado pelos militares do governo de Pernambuco. Arraes ligado aos pés descalços que – assim como fez seu antecessor Pelópidas Silveira em 1946 – aproximou a Prefeitura do Recife dos recifenses, realizando plenárias para ouvir as demandas do povo. Um marco para o tempo.

Sociólogo e autor do livro A Frente do Recife e o Governo do Arraes, José Arlindo Soares, destaca que essa ligação do “Pai Arraia” era um plano de vida de um homem que desde criança trabalhou a terra para sobreviver. “Seja na Prefeitura do Recife ou no governo do Estado, a marca das administrações dele era clara ao colocar o trabalhador como cerne do desenvolvimento”, pontua o especialista, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) .

Na Zona da Mata, os donos de usina foram forçados a pagar o salário mínimo – o Acordo do Campo. Fora o apoio dado às associações comunitárias e movimentações que incendiaram o País, como as Ligas Camponesas, de Francisco Julião. Embora Julião e Arraes tenham se afastado politicamente a partir do fim da década de 1960.

O Chapéu de Palha foi cunhado inicialmente para atender financeiramente trabalhadores da cana-de-açúcar no período da entressafra. Reeditado desde 2007, no governo do ex-governador e neto de Arraes, Eduardo Campos, permanece na administração de Paulo Câmara. Em 2015, de acordo com a Secretaria de Planejamento e Gestão de Pernambuco, 50.597 pessoas foram atendidas pelo programa, de um total de 405.494 desde o início da reedição, em 2007. São 119 municípios atendidos.

Hoje a iniciativa é voltada também para os que lidam com a pesca e fruticultura. Mesmo assim, o presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Pernambuco (Fetape), Doriel Barros, critica o fato de muitas famílias receberem menos de R$100. “No início, com Arraes, era um salário mínimo, reeditaram, mas o valor hoje é cada vez menor.”

A toada à esquerda das administrações, era vista como uma ameaça pelos militares e próceres da direita. Sobretudo em um momento que pairava a “ameaça de comunista” e qualquer tipo de aproximação com as causas populares era vista como tal.

DEPOSTO NA DITADURA

Com o golpe em 1964, tropas do IV Exército cercaram o Palácio das Princesas. Para evitar a prisão foi aconselhado – daquela forma nada sutil que uma figura armada pode implicar – que ele renunciasse para evitar a prisão. Arraes recusou. Foi preso na tarde de 1º de abril e libertado só em 25 de maio de 1965 para deixar o Brasil.

No exílio, inicialmente na Argélia, conta a biógrafa Tereza Rozowykwiat, a adaptação não foi fácil. O ex-governador não era fluente em francês e se ressentia pela falta dos filhos, que só se juntaram a ele e a Dona Magdalena aos poucos. De lá ele foi para a França. Antigo aliado e desafeto de Arraes, o hoje deputado federal Jarbas Vasconcelos (PMDB), recorda que o conheceu pessoalmente em 1977, durante sua estada em Paris. “Um amigo em comum organizou e viabilizou o encontro. Ele, exilado fora do País, e eu então deputado federal pelo MDB. Fui eleito em 1974, assumi em 1975 e em 1977 estava conhecendo Arraes pessoalmente. Foram dois dias de convivência. De conhecimento mútuo. Foi muito bom”, pontua.

Com o retorno de Arraes em 1979, Jarbas estava presidindo o partido regionalmente e a relação passou a ser mais próxima. “Fiquei à frente do evento que o recepcionou de volta ao Brasil, foi quando houve o nosso reencontro”, afirma. No entanto, três anos depois a relação dos dois começou a sofrer com distanciamentos e reaproximações.

Em 1986, ainda pelo PMDB, venceu o governo de Pernambuco, derrotando o candidato governista do então PFL, José Múcio Monteiro. Foi nessa eleição, lembra o marquetólogo e escritor de 16 livros sobre marketing político Carlos Manhanelli, que um dos jingles mais marcantes da história política brasileira foi tocado. A letra chamava para a volta daquele que foi tirado à força pelos militares: “Arraes tá aí/Arraes tá de novo/O povo quer, o povo/O povo vai que vai,por isso é que Pernambuco vai dar seu voto a Miguel Arraes”. Já filiado ao PSB, ele se reelege em 1990.

Na sua terceira passagem pela chefia do Executivo Estadual, a partir de 1995, é que as dificuldades de não contar com apoio Federal cobraram a conta e o ex-aliado, Jarbas Vasconcelos (PMDB), criou condições para tirar dele a possibilidade de reeleição em 1998.

No segundo volume dos Diários da Presidência (1997-1998), do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, é admitido que houve pressão do PMDB e do PFL (atual DEM) para não liberar o adiantamento dos recursos da privatização da Companhia Energética de Pernambuco (Celpe) à gestão de Arraes (PSB).

Verba era tida como fundamental para a estrutura estadual e para que ele enfrentasse a “União por Pernambuco” formada em torno de Jarbas. O dinheiro só foi liberado no governo do peemedebista. Arraes morre em 2005 como deputado federal tendo deixado como principal herdeiro político o seu neto mais velho, Eduardo Campos, que um ano após viria a ser eleito governador de Pernambuco.

Blog de Jamildo

Foto: Alexandre Severo/ JC Imagem

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