“Estabilidade total só existe na morte e nós não queremos morrer, queremos sobreviver”. Com estas palavras, o ex-governador Miguel Arraes traduziu o funcionamento da política brasileira, há 20 anos. O “Pai Arraia”, como era conhecido, valorizava a democracia e possuía a compreensão de que a política brasileira é cíclica e marcada por períodos turbulentos. Hoje, dez anos após o seu falecimento, o Brasil passa por mais um momento delicado. E sua vida serve de exemplo para a superação da crise atual.
Durante o seu percurso, Arraes vivenciou tempos de grave instabilidade política e econômica. Em 1964, com a instalação do regime militar, foi “convidado” a renunciar ao cargo de governador de Pernambuco, um ano após vencer as eleições. Ao resistir, fez um discurso que entrou para a história, enquanto as tropas do Exército ocupavam o Palácio do Campo das Princesas. “Sei que cumpri, até agora, o meu dever para com o povo pernambucano. Sei que estou fiel aos princípios democráticos, à legalidade e à Constituição, que jurei cumprir. Deixo de renunciar ou de abandonar o mandato, porque ele está com minha pessoa e me acompanhará enquanto durar o prazo que o povo me concedeu e enquanto me for permitido viver”, afirmou Arraes.
Sua postura lhe rendeu 11 meses preso no arquipélago de Fernando de Noronha. Após conseguir um habeas corpus, decidiu se exilar na Argélia, onde passou 14 anos. Em 1979, beneficiado pela Anistia, foi recebido por milhares de pessoas em um comício realizado no bairro de Santo Amaro, no Recife. Em seguida, integrou a luta pela redemocratização e conseguiu o mandato de deputado federal pelo PMDB, três anos depois. Em 1986, com o fim da ditadura, foi eleito governador de Pernambuco novamente. Porém, a morte prematura do presidente Tancredo Neves inaugurou um novo período de instabilidade, que resultou na sua desfiliação do PMDB.
“Na época que José Sarney assumiu o lugar de Tancredo, Ulisses Guimarães era presidente nacional do PMDB. Ele era quem mandava no País, na verdade. Então, no partido, Arraes cobrou uma postura em defesa da nossa estabilidade econômica. As discussões giravam em torno da relação com o FMI, pagamento de juros da dívida e da crise. Ele passou a defender os interesses do País e chegou a enviar uma carta a Ulisses, colocando suas posições. Mas como não teve retorno, terminou deixando o partido”, explicou o antigo militante e braço-direito de Arraes, Adeildo Gomes.
De acordo com Luiz Arraes, um dos dez filhos de Miguel Arraes, o percurso do seu pai foi pautado pela luta intransigente pelos seus ideais. “O governo de Sarney foi muito hostil. Depois disso, ainda teve passagem de Collor (1990-1992) e o mandato de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003). Mas meu pai tinha obsessão pelo combate à pobreza. E isso não é fácil, neste País”, destacou.
Em 1994, já pelo PSB, Arraes foi eleito pela terceira vez governador do Estado. Quatro anos mais tarde, decidiu encarar a disputa pelo Governo do Estado, contra Jarbas Vasconcelos, seu antigo aliado no PMDB, mas foi derrotado. Ele ainda exerceu o mandato de deputado federal entre 2002 e 2005, quando faleceu, no dia 13 de agosto (mesmo dia em que Eduardo faleceria nove anos depois) aos 88 anos, vítima de uma infecção pulmonar.